
Em um episódio da célebre série de comédia “Friends”, Chandler conta que está dedicado a criar uma lista com o nome de cinco mulheres famosas com as quais teria a possibilidade de ficar se as encontrasse pessoalmente, num acordo com a namorada Janice. Ross, então, se põe à mesma tarefa, com a anuência de Rachel, e chega, inclusive, a plastificar a lista, tirando, de última hora, o nome da atriz Isabella Rossellini.
O modelo, que aparece na segunda temporada da série criada em 1994, tem semelhanças com a chamada Neomonogamia, termo que se tornou comum nas redes sociais e que seria uma espécie de intermediário entre a monogamia e o relacionamento aberto, permitindo brechas combinadas com o parceiro ou parceira, como a possibilidade de se relacionar com outra pessoa durante o Carnaval, em viagem, ou, como no caso da série, em eventuais encontros fortuitos com celebridades.
A psicóloga e terapeuta de casais com especialidade em sexualidade e terapia cognitivo-comportamental, Mariana Galuppo, reforça que a Neomonogamia “pode ser entendida como uma adaptação do modelo monogâmico tradicional, onde o casal mantém um compromisso exclusivo, mas dentro de um acordo mais flexível e consciente, que permite explorar a sexualidade de maneiras diferentes, sem perder a conexão emocional primária”.
Ela diferencia a prática do poliamor, “em que múltiplos relacionamentos íntimos são estabelecidos com a permissão e o consentimento de todos os envolvidos”, e do relacionamento aberto, “que foca principalmente na liberdade sexual”.
“A neomonogamia foca na manutenção de um vínculo afetivo profundo e exclusivo com o parceiro principal, ao mesmo tempo em que permite a experimentação sexual com outras pessoas, sempre com consentimento e comunicação, a partir de acordos pré estabelecidos”, sublinha Mariana.
Adesão
A estudante Somaia Cruz, de 23 anos, afirma que não gosta de “dividir nem roupa, imagina homem ou mulher?”. “Se for para dividir, é melhor ficar solteira, para mim é tudo ou nada”, declara. O também estudante Miguel Couto, de 18 anos, segue a mesma linha. “Para mim não funciona, é melhor a pessoa aceitar não namorar e viver sem nenhum compromisso com ninguém. Mesmo que no começo funcionasse, a longo prazo geraria ciúmes”, acredita.
A diarista Dayse Machado, de 52 anos, diz que “não julga quem opta” pela Neomonogamia, mas também recusa o modelo. “Jamais teria esse tipo de relacionamento, até para evitar doenças”, observa. O policial militar Alberto Pereira, de 50 anos, afirma que o que move as pessoas nessa direção são “emoções momentâneas”. “A meu ver, é algo que está fadado ao fracasso”.
Gerente de restaurante, Gustavo Ferreira, de 28 anos, tampouco adere à ideia. “Quando eu amo uma pessoa, quero só ela, não existe nenhuma outra no mundo. Se quero outra pessoa, é porque o amor não é verdadeiro. Meu relacionamento não é uma prisão, mas não preciso abri-lo para isso. Ele para mim já basta, já supre as minhas necessidades”, garante.
Estudante, Stefany Lima, de 19 anos, informa não ser contra essa modalidade de relacionamento. “Mas não sou adepta, sinto que não conseguiria dividir a minha atenção com mais de uma pessoa”. No entanto, ela não descarta o “sucesso de um relacionamento neomonogâmico, desde que todas as partes estejam de acordo”.
Comum acordo
Esse é um ponto fundamental apontado pela especialista em sexualidade Mariana Galuppo. “Os limites saudáveis em um relacionamento neomonogâmico são aqueles que respeitam tanto as necessidades emocionais quanto as sexuais de cada parceiro, garantindo que ambos se sintam seguros e respeitados. Para que as ‘brechas combinadas’ não se tornem uma fonte de conflito, é fundamental que as permissões acordadas sejam claras, com espaços para revisar os acordos sempre que necessário”, orienta.
Nesse sentido, “a prática de comunicação contínua e a reavaliação dos limites são importantes para prevenir mal-entendidos ou a sensação de desequilíbrio na relação”. “Como terapeuta cognitivo-comportamental, incentivo o uso de estratégias como o reforço positivo e a negociação constante, para que o casal possa adaptar suas expectativas de maneira flexível, sem que haja sobrecarga emocional”, destaca Mariana.
A psicóloga e sexóloga Leni Oliveira corrobora. “Na Neomonogamia, as expectativas precisam ser bem trabalhadas para não se frustrarem com o ciúmes e a insegurança. Uma vez vividos, podem gerar rancor e atrapalhar o relacionamento. E, antes de tudo, precisa ser um desejo de todos os envolvidos, e não uma imposição”.
Motivação
Leni acredita que uma das principais motivações para a Nenomonogamia é “a possibilidade de viver alguma experiência sem perder a segurança da monogamia, até como forma de silenciar o desejo que incomoda na perspectiva romântica”.
A sexóloga indica a terapia sexual como uma forma de “compreender as necessidades e o desejo de explorar a Neomonogamia, e também pode ajudar a pensar nos combinados e nas frustrações que surgirem com a experiência”. “Alguns casais só querem sair da rotina e apimentar a relação”, destaca Leni.
Mariana opina que “casais podem ser atraídos pela Neomonogamia quando buscam equilibrar a necessidade de conexão e estabilidade com o desejo de explorar novas experiências sexuais”. “Em muitos casos, as necessidades emocionais de segurança, intimidade e compromisso são atendidas no vínculo primário, enquanto as necessidades sexuais, como a curiosidade, novas práticas sexuais ou a busca por variedade de pares, podem ser exploradas fora dessa relação”, afiança.
Desafios
Como se esperava, um problema recorrente em relações que fogem ao tradicionalismo monogâmico são os ciúmes, aliados à insegurança e à adaptação de expectativas. “O ciúme pode surgir quando um dos parceiros sente que sua conexão emocional ou a estabilidade relacional estão sendo ameaçadas, o que pode gerar insegurança. A comunicação inadequada também pode ser um problema, já que muitos casais não sabem como expressar seus sentimentos e necessidades de forma clara e respeitosa”, pondera Mariana.
Para lidar com esses desafios, ela sublinha ser “essencial desenvolver habilidades de comunicação assertiva, identificando e reestruturando pensamentos automáticos que podem gerar ansiedade e insegurança”. “A terapia cognitivo-comportamental com casais oferece ferramentas eficazes para ajudar os pares a trabalhar esses aspectos, promovendo uma comunicação aberta e a redefinição de expectativas de forma realista”, complementa a psicóloga.
Preconceito
A sexóloga Leni Oliveira não tem dúvidas de que “relacionamentos não monogâmicos sempre lidam com o estigma e o preconceito”. “No caso da Neomonogamia, ela reforça os modelos, só traz alguma flexibilidade momentânea e circunstancial”, pondera. O que não impede que boa parte do conjunto da sociedade mantenha “uma visão rígida sobre o que constitui um ‘relacionamento saudável’”, diz a terapeuta sexual Mariana Galuppo.
“Para lidar com esse julgamento, é essencial que o casal desenvolva confiança em sua própria relação e nos acordos que fazem. Construir um relacionamento autêntico significa estar alinhado com os próprios valores, em vez de se preocupar com a validação externa. A psicoterapia pode ajudar os casais a fortalecerem sua resiliência emocional, desafiando crenças limitantes e aprendendo a lidar com a pressão externa de forma mais equilibrada”, arremata Mariana.
O Tempo