Um ano depois que o Zika começou a circular no país, as dúvidas sobre o vírus continuam maiores que as certezas e pesquisadores apontam que os efeitos da infecção durante a gestação podem ir além da microcefalia em bebês. “A criança pode vir com um cérebro menor, mas a cabeça do tamanho normal ou até maior por acumular muito líquido”, explicou a pesquisadora Adriana Melo.
A especialista em medicina fetal e presidenta do Instituto de Pesquisa Prof. Joaquim Amorim Neto (Ipesq), sediado em Campina Grande, Paraíba, foi a primeira pesquisadora a comprovar laboratorialmente que o líquido amniótico de uma gestante que teve o filho com microcefalia estava infectado pelo vírus Zika. Em audiência pública na Câmara dos Deputados esta semana, Adriana expôs alguns pontos sobre o vírus observados no instituto, criado por pesquisadores renomados e sem fins lucrativos.
De acordo com a médica, a identificação de crianças afetadas ainda na gestação pela infecção deve ir muito além da fita métrica, que mede o tamanho da cabeça. Ela explica que os especialistas já usam o termo Síndrome Congênita do Zika, para identificar crianças que foram afetadas pelo vírus ainda na barriga das mães. O Ministério da Saúde também já reconhece o termo.
“Usar só microcefalia dá uma ideia à população de que a cabeça sempre vai ser menor do que o normal. A microcefalia é quando o cérebro é menor, mas a cabeça pode ser menor ou não. O termo também dá a ideia de que esse é o único problema, e não é. Tem bebês com problemas auditivos graves, problemas visuais, convulsões, com dificuldade de deglutição”, detalhou a Adriana. Segundo a especialista, o ideal é que o diagnóstico da síndrome seja feito ainda na gestação, para que o parto ocorra em um hospital de referência, já que algumas das consequências da infecção pelo vírus são os riscos para a gestante e para o bebê na hora do nascimento.
Ao todo, cerca de 60 crianças com a síndrome são acompanhadas pelo grupo de pesquisadores. Com o acompanhamento, foi possível ver o impacto positivo da estimulação precoce nesses casos, mas, segundo Adriana, “precisamos de recursos para que exames comprovem cientificamente a melhora que estamos vendo”.
Adriana Melo ainda levanta a hipótese de que uma pessoa que foi infectada pelo vírus possa vir a ter a reativação da infecção algum tempo depois. “Ainda é tudo na base do achismo, vimos casos isolados. A gente dizia inicialmente que era melhor ter Zika e só depois engravidar. Hoje, a gente não sabe mais, pode ser que sim, mas pode ser que você fique com o vírus e depois ele seja reativado”, disse a pesquisadora. “O nosso papel hoje não é alarmar, é alertar que certas coisas podem acontecer e que a gente tem que ficar de olho, tem que pesquisar, continuamos com mais dúvidas do que respostas”.