O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu nessa segunda-feira, 30, uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) que proibia a apresentação da cantora gospel Anayle Sullivan e de qualquer cantor ou grupo religioso no ano-novo de Copacabana.
A medida atende a pedido da Prefeitura carioca que alegava que o entendimento do TJ-RJ cerceava a livre manifestação da atividade artística e era decorrente da “formulação de juízos de valor que transcendem as atribuições e competências do Poder Judiciário”.
A decisão foi dada por Toffoli uma vez que cabe ao presidente do STF, em regime de plantão, decidir sobre questões urgentes durante o recesso forense, que teve início no último dia 20 e vai até 6 de janeiro.
A ação da Prefeitura do Rio foi protocolada no início da madrugada dessa segunda, 30, pouco depois da meia-noite, e questionava decisão proferida pelo juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública do Estado e mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio.
A Corte fluminense acolheu ação civil pública na qual a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) pedia liminar para proibir a apresentação de Anayle Sullivan e outros grupos religiosos com a finalidade de “assegurar o caráter laico do Estado“.
Em primeira instância, o juízo considerou que a inserção do show gospel, “gênero ligado a religiões de origem cristã, e somente desta concepção religiosa, em detrimento das outras existentes”, dentre as apresentações de diferentes gêneros musicais, multiculturais e sem cunho religioso, iria de encontro à laicidade estatal e à garantia da liberdade religiosa.
“A indevida utilização da estrutura do Poder Executivo e do dinheiro público, que pertence a toda a coletividade, a fim de privilegiar uma ou algumas crenças, corrompe a necessária neutralidade por parte do Estado nessa matéria e afeta a garantia de liberdade religiosa dos que professam as crenças ali não representadas e também daqueles que não professam qualquer uma”, diz trecho da decisão.
A Prefeitura do Rio recorreu ao TJ-RJ, mas o entendimento de primeiro grau foi mantido. Ao Supremo, o Executivo carioca argumentou que o pedido de contra cautela visava preservar a “promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A peça dizia ainda que no réveillon do Rio há diversos e diferentes tipos de manifestações culturais, “inclusive músicos que usam temas próprios de outros credos”.
“A apresentação de mais estilos musicais populares no evento há de permitir maior atratividade assim como obediência ao princípio geral e ecumênico que sempre norteou culturalmente os festejos de virada de ano. O histórico de contratações de artistas com diversos perfis religiosos ao longo do tempo, demonstra que é da própria natureza da arte haver liberdade para manifestações de fundo religioso como a liberdade, própria dessa condição artística, permite”, afirmou a Prefeitura em trecho da petição inicial.
Ao analisar o caso, Toffoli considerou que os despachos do Tribunal de Justiça do Rio violavam as ordens jurídica e pública e registrou ainda que o ano-novo de Copacabana é uma “festividade pública desvinculada de conteúdo religioso, para celebração do início de um novo ano civil”.
“É fato público e notório que foram contratados para se apresentarem no evento diversos profissionais, de variadas expressões artísticas e culturais apreciadas no país, não se admitindo que a categorização em determinado estilo musical seja usado como fator de discriminação para fins de exclusão de participação em espetáculo que se pretende plural”, escreveu o ministro.
No despacho, Toffoli ainda mencionou outras decisões da Corte Máxima brasileira para “destacar o postulado constitucional da liberdade de expressão”. O documento destaca o entendimento do STF de que o ensino religioso em escolas públicas pode estar ligado a uma crença específica e também a decisão de barrar a apreensão de livros de temática LGBT, promovida pela gestão Marcelo Crivella (PRB) em setembro, na Bienal do Rio.
Estadão Conteúdo