
A Lei de Registros Públicos dá 15 dias para registrar o nascimento e exige que a certidão tenha sexo e nome do bebê. Sem o documento, fica difícil obter licença-maternidade ou paternidade, incluir o bebê no plano de saúde ou o transporte para serviços hospitalares de referência. Isso obriga muitos pais a fazerem o registro com sexo definido, para garantir direitos civis, com risco de transtornos judiciais e sociais mais tarde.
Em decisão inédita, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul publicada este mês, muda essa realidade. A Consolidação Normativa Notarial e Registral prevê a possibilidade de se emitir a certidão com sexo ignorado e nome genérico, descrito como “RN” (recém-nascido) seguido do nome de um ou dos dois pais. No prazo de 60 dias, o registro pode ser mudado em cartório, indicando nome civil e o sexo, sem custo aos pais. Se preciso mais tempo, o Ministério Público é acionado para acompanhar até que o registro seja atualizado com segurança.
“É uma decisão que tem de ultrapassar o Rio Grande do Sul, porque vai ajudar muito essas famílias”, afirma Gil Guerra Júnior, que coordena o Grupo Interdisciplinar de Estudos da Determinação e Diferenciação do Sexo da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), junto com a professora Andréa Maciel Guerra. Além do desgaste jurídico, diz, as consequências de um registro precipitado podem ser de sofrimento psíquico. Muitas vezes, os casos chegam ao atendimento especializado já na puberdade – quando um menino desenvolve útero ou uma garota deixa de desenvolvê-lo, por exemplo.
A norma gaúcha só foi possível por ação conjunta entre o Hospital de Clínicas de Porto Alegre e os Núcleos de Estudos de Saúde e Bioética e de Direito de Família da Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. A demanda surgiu da experiência dos profissionais no ambulatório multidisciplinar do Hospital de Clínicas, que acompanha os pacientes semanalmente.
“Colocamos a sugestão para que não se registrasse os pacientes de saída, e aí se levantou que esse retardo poderia afetar a família do ponto de vista social. Como centro de referência, recebemos muitos pacientes de outras cidades, e se o recém nascido não está registrado, ele não pode ser transferido”, conta o cirurgião pediátrico Eduardo Costa, coordenador do programa.
Para se tornar nacional, seria preciso mudar a Lei de Registros Públicos, com aprovação do Congresso. Mas Dulce acredita que pode inspirar outros tribunais no País. A medida da Corte gaúcha é restrita à diferenciação do sexo biológico – não leva em conta outras definições de gênero do ponto de vista social.
A Alemanha foi o primeiro país da União Europeia a permitir o registro de recém-nascidos com sexo indefinido, em 2013. Austrália, Nova Zelândia e Canadá também adotaram a medida.
Casos e Condições

Há 19 anos, em Porto Alegre, no 5º mês de gestação uma mulher saiu do consultório médico com 98% de certeza de que teria uma menina. Restando uma semana para o parto, um novo exame indicou que o bebê em seu ventre tratava-se de um menino. O bebê tinha ambiguidade no canal urinário, que impossibilitava a clara distinção do sexo biológico, o que persistiu após o nascimento.
Essa condição envolve características atípicas da genitália, dos testículos ou dos ovários. Passados quatro meses, após o parto, uma série de exames e uma pequena cirurgia, os médicos tiveram certeza de que realmente tratava-se de um menino. Só depois de um ano, porém, a criança foi registrada em cartório.
Condição pode exigir cirurgia

Na Medicina, considera-se que há ambiguidade quando uma genitália que parece ser masculina tem a presença de um pênis pequeno, testículos não palpáveis ou a abertura da uretra não está na ponta do pênis.
No caso de genitália que parece ser feminina, a dificuldade de distinção se dá quando o clitóris é aumentado, as gônadas (onde se produzem as células reprodutivas) são palpáveis ou há fusão dos grandes lábios.
Quando mais de uma dessas características está presente, existe franca ambiguidade sexual, então é necessária uma investigação por meio de exames clínicos, que podem ou não estar relacionados a procedimentos cirúrgicos e tratamentos hormonais para a distinção do sexo biológico.
Com informações: Estadão Conteúdo

