O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na noite dessa quinta-feira, 7, proibir a prisão após a condenação em segunda instância. Agora, as penas só poderão ser executadas após o chamado “trânsito em julgado” — quando não há mais recursos possíveis. O novo entendimento afeta diversos processos, incluindo alguns que correm no âmbito da Operação Lava Jato e a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A soltura dos presos, no entanto, não é imediata, nem se restringe a políticos. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), no começo de outubro, havia quase 5 mil presos por condenações de 2ª instância no Brasil.
Entenda o que o STF julgou
O plenário do Supremo decretou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que estabelece:
“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
Foram julgadas em conjunto três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), apresentadas pelo então Partido Nacional Ecológico (PEN, agora Patriota), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pelo PCdoB.
O que mudou?
Por 6 votos a 5, o plenário confirmou que a execução da pena só pode ser feita após o trânsito em julgado do processo, ou seja, quando todos os recursos cabíveis estiverem esgotados. O STF modificou uma jurisprudência que havia sido consolidada em dois julgamentos em 2016 e 2018. Nestes casos, no entanto, foram avaliadas condenações específicas, e não o mérito da execução da pena e da presunção de inocência.
Presos serão soltos imediatamente? E Lula, como fica?
Em entrevista a jornalistas após o julgamento, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, que votou de forma favorável à execução da pena após julgamento em 2º grau, afirmou que o novo entendimento não acarretará em liberdade automática. “Não há, em face dessa decisão, nenhuma liberação automática de quem quer que esteja preso por condenação em confirmação de segunda instância. A consequência que tem é que retira-se o fundamento que, até agora, era majoritário e, a partir de agora, os juízes decretarão ou não as prisões cautelares”, afirmou.
O ministro contextualizou “que as prisões tidas nesse momento como pena que propiciaram a execução provisória podem ser convertidas pelo exame de cada processo e cada prazo”.
Em tese, para que a decisão tenha efeito, o STF precisa primeiro publicar o acórdão do julgamento (documento que contém a determinação do tribunal), e isso pode levar até dois meses para acontecer. A Justiça Federal do Paraná, responsável por executar a pena de Lula, também precisa ser formalmente comunicada da decisão do Supremo —ou provocada a agir pela defesa do ex-presidente, por exemplo — para autorizar a soltura.
Logo após o julgamento, a defesa de Lula informou que vai pedir a soltura imediata do ex-presidente já nesta sexta-feira, 8. Ao votar hoje, o ministro Gilmar Mendes disse que a prisão de Lula “contaminou” o debate sobre a prisão em segunda instância no Supremo.
Quem votou contra a decisão em segunda instância?
- Dias Toffoli
- Gilmar Mendes
- Celso de Mello
- Ricardo Lewandowski
- Rosa Weber
- Marco Aurélio de Mello
Votaram a favor da prisão em segunda instância os seguintes ministros:
- Cármen Lúcia
- Luiz Fux
- Luís Roberto Barroso
- Alexandre de Moraes
- Edson Fachin.
Para os ministros contrários à prisão após a condenação em segunda instância, a Constituição deixa claro que uma pessoa só pode começar a cumprir pena depois do trânsito em julgado —ou seja, depois de todos os recursos serem julgados. A Constituição diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Os contrários usaram argumentos como a necessidade de combater a corrupção e a sensação de impunidade que postergar a prisão pode trazer.
Casos afetados
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, cerca de 4.900 réus tiveram penas executadas após condenação em segunda instância. A Força-Tarefa da Lava Jato no Paraná afirma que 38 condenados na Lava Jato poderão ser beneficiados com a decisão. Ainda segundo o MPF-PR, outros 307 denunciados, que aguardam julgamento em primeira instância, também poderão ser beneficiados. Réus que estão detidos por conta de prisão preventiva, temporária ou prisão em flagrante não serão afetados.
Casos não afetados
Prisões cautelares, comuns em casos como os de crimes hediondos ou em qualquer outra situação prevista em lei em que a Justiça vê risco à sociedade ou continuidade do crime, não são afetadas pela decisão. Em seu voto, Toffoli também destacou que, em casos de crimes hediondos essas prisões podem ser imediatas – e portanto, também excluídas da decisão. O STF deverá julgar nas próximas semanas a prisão para condenados por Tribunais do Júri.
Quando um processo transita em julgado?
A decisão tomada hoje pelo STF não significa que todos os processos criminais terão que chegar ao tribunal, que é a última instância da Justiça brasileira, para transitarem em julgado — ou seja, serem encerrados. Isso já não acontece hoje. Para um processo subir de instância, é necessário que uma das partes recorra da decisão (o que depende de tempo e dinheiro) e que a Justiça entenda que há fundamentos para o caso ser julgado pela instância superior. Hoje em dia, segundo dados do CNJ obtidos pela Folha, a maioria dos processos transita em julgado ainda na primeira instância.
E a Lava Jato?
Com a decisão, sobre 2ª instância, STF impõe nova derrota à Lava Jato. A decisão colocou o Supremo mais uma vez em campo oposto ao de parte do MPF (Ministério Público Federal), órgão responsável por investigações, como as da Operação Lava Jato, e por representar a acusação nos processos judiciais que tramitam na Justiça Federal.
Desde o início da operação, o STF tem emitido decisões que ajudaram a moldar os limites das investigações criminais no país e, com frequência, foram alvo de críticas de membros do Ministério Público. Na corrente favorável às posições do Supremo, o argumento é o de que o tribunal tem atuado para garantir o direito de defesa dos réus e evitar abusos dos acusadores.
Em 2015 o plenário do STF decidiu que os casos que não tem relação direta com desvios na Petrobras, alvo original da Lava Jato, não deveriam ser julgados pela 13ª Vara Federal de Curitiba, onde estão concentrados os processos da operação. Nesse julgamento também ficou decidido que só seriam processados no Supremo os políticos com foro privilegiado e que os processos dos demais investigados seriam remetidos à primeira instância, como é o caso da 13ª Vara de Curitiba.
A decisão de 2015 foi um importante precedente para que já em 2018 diversos trechos da delação da Odebrecht fossem retirados do então juiz Sergio Moro, que atuou na 13ª Vara Federal. Por exemplo, em agosto do ano passado, a Segunda Turma do STF decidiu, por 3 votos a 1, enviar à Justiça do Distrito Federal os depoimentos de seis delatores que acusavam o ex-presidente Lula e o ex-ministro Guido Mantega em um suposto esquema de repasses ilegais ao PT.
Com informações: UOL