Professor de ciência política da Universidade de Pittsburgh (EUA), o americano Barry Ames diz que o sistema político brasileiro não só favorece a corrupção, mas depende dela para seu funcionamento.
Segundo Ames, que pesquisa a evolução das instituições brasileiras desde a ditadura militar, não há possibilidade de que o governo consiga apoio majoritário do Congresso sem oferecer cargos e obras públicas para aliados, o que abre o caminho para desvios.
A solução, diz ele, passa por reduzir o número de partidos no Legislativo, diminuir os distritos eleitorais – para que os eleitores exerçam maior controle sobre os eleitos – e quebrar o oligopólio no setor de construção civil, que facilita conluios entre governo e empreiteiras.
Confira a entrevista.
A corrupção no Brasil hoje é maior que no passado?
Barry Ames – Acho que a escala da corrupção envolvendo a Petrobras é certamente maior do que era em 2000. Mas minha aposta é que a quantidade roubada no período militar era ainda maior que a roubada hoje. Muitos daqueles generais ficaram ricos. A grande diferença é que, numa democracia, os jornais e outros tipos de mídia estão muito engajados em expor a corrupção e, na Nova República (após o fim da ditadura, em 1985), há agências de controle fiscal que são muito ativas, como o Tribunal de Contas da União.
O Judiciário se tornou muito independente e atuante. O nível de corrupção pode ser substancialmente menor que nos anos 70 e 80, mas nada disso era exposto. O problemático é que, embora seja mais arriscado roubar, as pessoas continuem a fazê-lo. Elas continuam a correr os riscos. Eu achei que a corrupção diminuiria mais.
Por que ela não diminuiu mais?
Ames – Precisamos voltar ao argumento que fiz no meu livro há 12 anos sobre as instituições eleitorais, o voto em lista aberta, com distritos eleitorais grandes e a facilidade para a entrada de partidos. Essas instituições facilitam a corrupção.
Outro fator é a importância dos empreiteiros e o oligopólio no setor de construção civil. Em 1992, no escândalo dos Anões do Orçamento, as mesmas empreiteiras estavam envolvidas na compra de votos de deputados para aprovar emendas que lhes dariam contratos.
Com uma Petrobras enorme, com tantos contratos para distribuir, e com esse oligopólio organizado no setor de construção, é muito fácil para as empresas se coordenarem com os caras na burocracia para que aceitem uma oferta muito alta.
E, claro, alguns congressistas de partidos políticos saberão o que está acontecendo e você terá de pagá-los. Isso torna o conluio importante e fácil de fazer.
Por que o conluio se torna importante?
Ames – É muito difícil de manter um sistema presidencial multipartidário coeso sem algum tipo de clientelismo. Carlos Pereira (cientista político da Fundação Getúlio Vargas) acha que o sistema só funciona por causa do clientelismo, mesmo quando os presidentes têm mais habilidades políticas que Dilma.
Quando a economia não vai bem, é muito difícil manter essa coalizão unida. Se não houver clientelismo, obras públicas e nomeações, como manter esses partidos apoiando o governo? Não há a possibilidade de obter a maioria absoluta no Legislativo.
Esses partidos não têm políticas, mas você pode sempre comprar o apoio do PMDB com clientelismo. Ao mesmo tempo, quando há agências de controle observando com cuidado, fica difícil manter as coalizões funcionando.
A prisão de executivos das maiores empreiteiras do país na Operação Lava Jato não muda o jogo?
Ames – Acho que sim. No escândalo de 92, nenhuma daquelas pessoas foi presa, nem os deputados. Portanto, isso traz esperança, sim.
Não acho que essas pessoas no Judiciário vão sumir, tenham alguma agenda política ou não. A questão crítica é se vão manter essa vontade para caçar os corruptos, independentemente de serem do PT, PSDB, PMDB ou outro partido. Se puderem fazer isso, o desfecho será positivo.