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Pesquisa consegue ‘rejuvenescer’ células e alimenta expectativas sobre a superação da velhice

FOTO: GETTY

Uma pesquisa realizada no Japão identificou que, ao se bloquear uma proteína, o envelhecimento celular pode ser não apenas evitado, como revertido (leia mais abaixo). O anúncio das descobertas, que ainda carecem, por exemplo, de validação em modelos in vivo, foi suficiente para gerar expectativas sobre possíveis desdobramentos futuros, incluindo aquela sobre a realização de um velho anseio da humanidade: a superação do processo de envelhecimento.

Ao longo da história, são fartos e bem conhecidos os registros sobre a crença em “elixires da vida eterna” e “fontes da juventude”, sendo a imortalidade um tema recorrente nas mais diversas mitologias.

Hoje, a ciência e as indústrias farmacêutica, genética, médica e cosmética também encampam essa luta contra a passagem do tempo, ofertando todo um sortimento de procedimentos que visam reduzir os sinais da velhice enquanto o mundo convive com um aumento da expectativa de vida e, bem ou mal, uma transformação dos estereótipos de marcadores de idade.

Em suas tantas expressões, esse medo de envelhecer, comum a diferentes sociedades e épocas, tem como pano de fundo uma série de fatores, a começar pelo fato de a velhice nos lembrar nossa própria finitude. É o que avalia a psicóloga e psicanalista Vanessa Teixeira.

“É claro que não sabemos quando vamos morrer (e podemos morrer jovens), mas também sabemos que não vamos durar para sempre e, quando nos deparamos com a velhice do corpo, somos lembrados de que estamos nos aproximando de um momento natural na vida: a morte”, reflete.

Esse prenúncio, prossegue ela, é acompanhado de uma série de fontes de mal-estar. “Ao longo dos anos que passam, é inevitável que esse corpo passe por transformações em seu funcionamento. Então, ao nos depararmos com a perda de algumas funções executivas e executoras, tanto do cognitivo quanto da mobilidade, vamos passar por pequenos processos de luto por aquilo que vamos deixando de conseguir realizar”, assinala.

Estigmas

Da perspectiva social, o envelhecimento é igualmente tratado como algo não desejado. “Nesse caso, o velho é visto como aquele que não é mais útil – e é até um peso – para mover a máquina do capital, que precisa seguir funcionando e, para isso, exige força física e destreza cognitiva, características associadas à juventude”, aponta Vanessa Teixeira.

Essa lógica, continua a psicanalista, é acompanhada de um fascínio pelo novo. “Embora me pareça que haja uma intensificação dessa sensação hoje, o novo sempre pareceu muito atraente e, por isso, há um certo desdém pelo que é antigo. Existem, inclusive, uma valorização do que é visto como inovador porque a atitude inovadora é carrega de idealização de solução de problemas. Mas, com isso, vamos ignorando o que veio antes, o que fez parte da nossa história… Mas, como ser uma sociedade que não se lembra do seu próprio passado?”, questiona Vanessa, que amplifica a questão para atitudes individuais.

“Existe um certo mote de resetar a vida, como se fosse possível eliminar o passado. Ou seja, a gente abre mão do velho até mesmo em relação a nós mesmos, ao que nos é anterior, como se só o ‘daqui para frente’ interessasse”, aponta. “A gente usa essa lógica que separa o velho do novo, o antes do depois, se rende a esse eterno culto ao futuro. Nesse sentido, a psicanálise é um pouco subversiva, porque entendemos que presente, passado e futuro estão sobrepostos no inconsciente, sem separação”, complementa, ponderando que, ao não registrar o envelhecimento no inconsciente, pois essas temporalidades não aparecem bem definidas neste campo, e se deparar com um corpo envelhecido, esse estranhamento vai levar à angústia.

“Em vez de lidar com essa angústia e buscar ressignificar a nossa história, em vez de vir fazendo esse crochê de buscar a linha do tempo e trazer para o presente, a gente quer resolver imediatamente. E daí a corrida em busca desses procedimentos fica sendo uma solução, que tampona esse estranhamento, esse descompasso entre o corpo envelhecido e o inconsciente que não tem essa dimensão temporal”, avança a psicanalista.

Ecos

Vanessa Teixeira lembra que os achados da pesquisa que abre esta reportagem, que ressoaram em toda a mídia como a promessa de uma janela de possibilidade para o rejuvenescimento celular, se somam a outras diversas tecnologias que tentam evitar ou, ao menos, reduzir os sinais do envelhecimento.

“Esses produtos ofertados pelas indústrias farmacêutica, médica e cosmética ecoam como um superego (parte moral da personalidade, que fornece os padrões morais e ideais de uma pessoa) terrível, que vai nos dizer que o corpo que envelhece não é um corpo que tem valor, que não é um corpo bonito, que não pode ser sexualizado, mostrado, falado, tocado, que precisa ser escondido, arrumado, recauchutado, cortado, costurado, enxertado, preenchido… E quem embarca nesse imperativo de juventude a qualquer preço, vendido por essas indústrias, sofre muito, até porque o envelhecimento é inevitável”, pondera.

A psicóloga e psicanalista avalia que o mercado da beleza e do bem-estar captura, de maneira sedutora, essa constante tentativa de adiar o fim. “Quando a gente tem uma oferta muito disponível, para esse círculo de pessoas que podem pagar, isso pode entrar em uma vertente da compulsão, com a pessoa fazendo tantos procedimentos, que chega a ficar deformada”, pondera. “Já quem não consegue pagar sente um golpe duplo: além de sofrer com o envelhecimento, lida com a impotência de não ter recursos para evitá-lo”, acresce.

O resultado, nos dois casos, é o potencial adoecimento do indivíduo, que, contaminado por esses ideais sociais inatingíveis, passa a se sentir inadequado. “É sempre um problema quando nós, que estamos desesperados querendo saber o que nos falta para sermos perfeitos, ficamos fixados naquilo que a indústria nos diz que precisamos”, conclui.

Pesquisa relacionou proteína AP2A1 ao envelhecimento celular

Pesquisadores da Universidade de Osaka, no Japão, identificaram que uma proteína, a AP2A1, pode desempenhar um papel crucial na regulação do estado celular. Segundo o estudo, a substância, além de ser a chave para entender como as células envelhecem, pode abrir uma janela para reverter esse processo.

Na investigação, os cientistas se debruçaram sobre a senescência celular, como é chamado o processo biológico pelo qual as células param de se dividir e entram em um estado de “aposentadoria”. O mecanismo pode ter função antitumoral, impedindo a proliferação de células cancerígenas, mas o acúmulo de células senescentes ao longo do tempo está associado ao envelhecimento e a diversas doenças relacionadas à idade, como Alzheimer, diabetes e doenças cardiovasculares, além de, em alguns casos, criar um ambiente imunossupressor local que favorece a persistência de células tumorais.

Agora, a pesquisa publicada na revista Cellular Signalling indica que a proteína AP2A1 é mais perceptível justamente em células senescentes, tanto em fibroblastos humanos – células compõem o tecido conjuntivo, que dá suporte e estrutura aos órgãos e tecidos do corpo – quanto em células epiteliais – aquelas que revestem os órgãos internos e a pele do corpo humano.

Mais do que isso, a equipe liderada por Pirawan Chantachotikul e Shinji Deguchi demonstra que a AP2A1 está diretamente envolvida na manutenção da arquitetura celular durante a senescência, especialmente na reorganização das fibras de estresse – estruturas que ajudam a célula a manter sua forma e aderência ao substrato. Em células senescentes, essas fibras se tornam mais espessas e estáveis, contribuindo para o aumento do tamanho celular e a perda de função.

O estudo mostrou que o knockdown – técnica da genética molecular por meio da qual um organismo é geneticamente modificado para que tenha uma expressão reduzida – da AP2A1 em células senescentes reverteu vários fenótipos associados ao envelhecimento, passando a apresentar tamanho reduzido, fibras de estresse mais finas e maior capacidade proliferativa, características típicas de células jovens. Em outras palavras, é como se elas tivessem rejuvenescido. Por outro lado, a superexpressão de AP2A1 em células jovens acelerou o processo de senescência, confirmando o papel central dessa proteína no envelhecimento celular.

A expectativa, a partir das descobertas, é que as descobertas desse regulador-chave da senescência deve abrir novas possibilidades para o desenvolvimento de terapias antienvelhecimento. Mas há um longo percurso pela frente: a validação desses achados em modelos animais e humanos ainda é precisa ser realizada. Até lá, é impossível saber se a manipulação da AP2A1 não cause efeitos colaterais.

O Tempo

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