Tremores, agitação, dificuldade de dormir; sonolência, vertigem; perdas na função sexual e ganho de peso. Muitas vezes confundidos com a própria doença, os efeitos colaterais da medicação para esquizofrenia causam direto impacto funcional negativo no cotidiano e na qualidade de vida dos pacientes a ponto de, pela sensação de que já não existem laços, alguém cortou, outras doenças aparecem, como a depressão.
Mudar esse panorama foi uma das motivações para Sibele Berenice Castellã Pergher, Artur de Santana Oliveira e Ana Clécia Santos de Alcântara, cientistas vinculados à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), desenvolvessem uma nova tecnologia com impactos na área da química e da medicina, cuja carta patente foi expedida nesta última terça-feira, 9, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
O produto patenteado é um material compósito, formado à base de argila e dois biopolímeros. Em virtude dessa junção, os autores denominaram o invento de bionanocomposito – os materiais compósitos são, em sua essência de formação, heterogêneos, pois são compostos por dois materiais diferentes com propriedades complementares. Nesse caso, a importância das argilas é dada pela possibilidade de se controlar a taxa de dissolução, taxa de liberação ou até mesmo ajudar na liberação do fármaco em um local específico. Além disso, as argilas são constituintes inertes, sem capacidade de interferir na farmacologia do componente ativo.
Coordenadora da equipe, Sibele Pergher explica que o compósito funciona aprisionando uma droga chamada olanzapina, que é usada no tratamento da esquizofrenia. Com esta possibilidade, os cientistas conseguiram controlar a liberação da olanzapina no organismo. Com esse domínio, o tratamento tende a ser mais eficiente, pois a droga será liberada exatamente no lugar em que o organismo deve absorver ela. “Com isso se evita a pessoa estar tomando o remédio muitas vezes ao dia, e ele ser absorvido em outras partes do organismo, que não faz o efeito desejado ou até pode prejudicar”, destaca a professora do Instituto de Química.
Depositada em 2016, sob o nome Bionanocompósito lpm-7 para liberação controlada de olanzapina a partir do argilomineral montmorillonita, a invenção tem a perspectiva de influenciar o cotidiano de quase 30 milhões de pessoas no mundo que convivem com a esquizofrenia. Como curiosidade, nenhuma delas nasceu assim, em um movimento que leva muitas vezes a uma sensação de que já não existem laços, alguém cortou, quando os sintomas começam a surgir, o que para a maioria ocorre entre os 12 e 30 anos de idade.
“Percebe-se, portanto, que a maioria das pessoas que apresentam a doença, precisam conviver com ela por muito tempo. Nessa perspectiva, a nossa tecnologia propicia a desnecessidade de o paciente tomar vários comprimidos durante o dia, sem riscos de superdosagem ou até falta de dosagem. E o mais legal é que o material que desenvolvemos é formado de argila e um polímero natural, o qual acaba sendo barato e ecofriendly, ou seja, amigável ao meio ambiente”, acrescenta Artur Oliveira, autor da tese da qual surgiu a descoberta científica. Doutor em Química pela UFRN, Artur atualmente realiza pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da UFRN. Ele destaca que, embora a aplicação tenha sido pensada para o tratamento da Esquizofrenia, a ideia pode ser aplicada a outros medicamentos, pois a “ideia comporta criarmos sistemas específicos para cada fármaco, levando em conta características distintas entre eles, tais como absorção, efeitos adversos e metabolização”, frisa.
Antes de receber o nome que tem, a esquizofrenia era chamada de demência precoce. Na medida em que avança, a pessoa passa a ter maior dificuldade de raciocínio, memória, atenção, concentração e planejamento, conjunção de sintomas que, em relatos recorrentes em momentos de crise, alimentam pensamentos que fazem com que pacientes imaginem que nada nesse mundo tem tanto valor, e intuições de ausência de apoio, como não há onde atracar. “Por a dificuldade tender a ser majorada, a liberação controlada é fator relevante. Bom pontuar que o processo tem grande relevância acadêmica por aprofundar esse conhecimento em sistemas de drug delivery, onde podemos desenvolver materiais carreadores de medicamentos e controlar sua liberação”, salienta Sibele Pergher.
Ela rememora que a ideia inicial foi usar uma droga que fosse sintetizada no Núcleo de Pesquisa em Alimentos e Medicamentos (NUPLAM) da própria UFRN, para se poder avançar na fabricação do dispositivo e chegar ao público. “Imagino que agora com a carta patente, poderemos voltar a buscar uma empresa interessada”, destaca. Com substanciais e amplas análises em pesquisas patenteáveis, as quais abrangem 14 pedidos de patente e seis concessões, a docente enfatiza que no Laboratório de Peneiras Moleculares (LABPEMOL), onde os experimentos ocorrem, está sendo montado um laboratório de escalonamento de materiais, no qual a síntese da nova tecnologia poderá ocorrer em quantidades maiores, condição para alcançar um nível de maturidade tecnológica elevado.
A concessão do grupo é a terceira da UFRN neste ano e ajuda a manter a Universidade como a instituição de ensino com mais cartas-patente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O posto é ocupado pela UFRN desde fevereiro de 2022, tendo sido reforçado pelas 14 concessões no ano de 2023, segunda melhor marca anual da Universidade em sua história. A lista completa pode ser acessada através da vitrine tecnológica, na qual constam todos os pedidos de patentes e as concessões já realizadas, bem como, os programas de computador que receberam registro do INPI. A lista está disponível para consulta no site da Agência de Inovação (Agir) (www.agir.ufrn.br), mesmo local em que os interessados obtêm informações a respeito do processo de licenciamento.