Mal chegou ao Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro rasgou uma promessa de campanha de não disputar a reeleição. Ainda que 2022 esteja distante e o país se encontre em meio a batalhas mais urgentes, contra a Covid-19 e a recessão, o presidente vem gastando energia para intensificar nos últimos tempos discursos e ações em clima de palanque eleitoral. O foco do momento dessa estratégia é a conquista do Nordeste, um reduto eleitoral da esquerda e um desafio para Bolsonaro, derrotado pelo petista Fernando Haddad nos nove estados da região no segundo turno de 2018. Em junho, o capitão fez questão de entregar pessoalmente um trecho da transposição do Rio São Francisco no Ceará. “É uma novela enorme que está chegando ao fim”, anunciou na ocasião, em referência ao fato de o projeto se arrastar desde o governo Lula. O périplo pela região teve uma breve interrupção devido ao tratamento do presidente para se curar do coronavírus, mas foi imediatamente retomado após a cura. Na mais recente viagem, realizada no fim do mês passado, em São Raimundo Nonato (PI), colocou na cabeça um chapéu de vaqueiro típico da região, emulando gesto do petista em suas caravanas nordestinas. Em Campo Alegre de Lourdes (BA), inaugurou um sistema de abastecimento de água e, em clima explícito de palanque, dividiu o mérito com deputados e senadores que o apoiam. “Sentimos a felicidade de um povo quando chega água naquela região, isso amolece os nossos corações”, discursou.
Nessa corrida rumo à conquista do Nordeste, o capitão tem contado com o apoio fundamental de um “coronel”. A ida recente aos três estados da região — não por acaso, governados pelo PT — foi articulada pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Ao ser convidado para a pasta em fevereiro, no lugar de Gustavo Canuto (considerado distante da política), Marinho, que é do Rio Grande do Norte, impôs uma condição: tocar um programa de ação para o Nordeste, exigência que ia ao encontro das pretensões de Bolsonaro não só de alavancar a popularidade, mas de servir como um trunfo para a aproximação que já desenhava com o Centrão. À frente de uma pasta com 33 bilhões de reais de orçamento, Marinho vem liderando um plano de investimentos em infraestrutura de grande impacto social — baseado em água, moradia, saneamento e melhorias urbanas — e que atinge em cheio um eleitorado que vota de acordo com as benesses recebidas do governo.
A pedra de toque tem sido os projetos hídricos, como as obras no São Francisco, o Ramal do Agreste (Pernambuco), a Vertente Litorânea (Paraíba) e barragens no Rio Grande do Norte. “Só o Lula havia tido receptividade como a de Bolsonaro”, disse o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos caciques do bloco, sobre a visita que acompanhou a São Raimundo Nonato. O recurso às armas do inimigo vai além. Marinho também destravou outro projeto símbolo dos anos petistas, o Minha Casa Minha Vida, que estava longe de ser prioridade. Uma versão atualizada do programa vai incluir a oferta de novas moradias na região. Também foram retomadas as obras de 11 000 unidades, número que deve chegar a 50 000 até o fim do ano. O Bolsa Família, outro símbolo dos anos petistas, que não vinha aceitando novos beneficiários, reabriu o cadastramento e chegou a 14,2 milhões de famílias, o segundo maior número da história — 49% das que recebem o benefício estão no Nordeste. A bola da vez agora é o auxílio emergencial. Os estados da região concentram também 32,7% do total pago pelo benefício. Nos últimos dias, o governo passou a estudar uma nova prorrogação do auxílio.
Embora boa parte dos planos da dupla Bolsonaro-Marinho ainda não tenha saído do papel, a estratégia de concentração de recursos para a região já apresenta resultados — o que demonstra o potencial de avanço do presidente daqui para frente. Levantamento feito para VEJA pelo instituto Paraná Pesquisas entre os dias 18 e 21 de julho revelou que a aprovação ao governo no Nordeste saltou de 30,3%, em abril, para 39,4%. O percentual dos que pretendem reeleger Bolsonaro em 2022 foi de 17,6% para 21,6%.
Curiosamente, antes de entrar para o governo e assumir um dos papéis mais estratégicos para o Palácio do Planalto, Rogério Marinho estava prestes a desistir da vida política após não ter obtido votos suficientes para se reeleger deputado federal em 2018, o que agradava à família, preocupada com o fato de ele ter passado por uma cirurgia cardíaca. Os pedidos para que desacelerasse foram suplantados, porém, pelo convite para ser o secretário especial encarregado de aprovar a reforma da Previdência, a primeira batalha de Bolsonaro no Congresso. A difícil missão foi cumprida com louvor, rendeu elogios e o lugar no primeiro escalão. A capacidade de articulação, construída em três mandatos na Câmara — desde 2007 era filiado ao PSDB, que deixou em junho —, colocou-o em posição de destaque em uma gestão marcada pela falta de traquejo político.
Disciplinado, Marinho vai continuar tocando a missão dada pelo presidente com afinco. A próxima viagem está marcada para o dia 13 ao Pará — onde Bolsonaro também perdeu para o PT —, com parada obrigatória em alguma cidade nordestina. Com a perda de apoio em setores da classe média, em razão principalmente do comportamento errático na pandemia e da evasão de Sergio Moro, o presidente aposta na conquista de nacos do eleitorado onde o PT sempre dominou. A rachadura na trincheira adversária já é visível. E, ao que parece, o cerco do capitão e do seu “coronel” está apenas no começo.
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