Um dia depois de celebrar o Dia do Exército com a promessa de “deixar para trás os enfrentamentos e divisões”, o presidente Mauricio Macri surpreendeu o país com um decreto que restitui aos militares a autonomia perdida em 1984. Em fevereiro daquele ano, dois meses depois do restabelecimento da democracia, o presidente Raúl Alfonsín (1983-1989) transferiu ao Ministério de Defesa, nas mãos de civis, o poder de fazer nomeações, promover e reformar oficiais das Forças Armadas, entre muitas outras atribuições que a ditadura iniciada em 1976 havia legado aos quartéis. O decreto 721 assinado por Macri, que anula a decisão de Alfonsín, foi publicado no Boletim Oficial em 31 de maio, sem nenhum aviso prévio ou posterior por parte da Cas
a Rosada. O texto justifica a medida presidencial pela necessidade de “ordenar e atualizar o regime de delegação de atribuições no Ministério de Defesa e nos chefes dos Estados-Maiores Gerais das Forças Armadas”. Para os críticos, tratou-se de um golpe sem precedentes contra o domínio civil sobre os militares.
Agustin Rossi, ex-ministro da Defesa no Governo de Cristina Kichner e atual deputado do Parlamento do Mercosul, disse que o decreto é “um retrocesso enorme, o primeiro importante desde a recuperação da democracia quanto à cessão de poderes de um Governo civil para as Forças Armadas”. “Macri modificou um decreto de Alfonsín que delega ao ministro da Defesa parte das atribuições constitucionais que o Presidente tem sobre os militares. O que o decreto de Macri faz é delegar uma parte dessas atribuições ao ministro da Defesa, e outra parte ao chefe de cada uma das Forças”, disse Rossi.
O Ministério da Defesa disse que Macri realizou apenas mudanças administrativas. “Não existe uma retirada do controle civil do Ministério, trata-se, isso sim, de um reordenamento de tarefas”, disse o diretor de Assuntos Jurídicos, Pablo Tosco, ao jornal Página 12. Rossi, por sua vez, disse não ver motivos que justificassem a decisão de Macri, em parte porque durante sua gestão como ministro “não houve nenhuma reivindicação nesse sentido”. “Para mim não pediram isso, e não percebi que fosse uma reivindicação. Agora, se você perguntar a uma corporação de 200 anos, como o Exército, se ela quer ter mais autonomia, é óbvio que vai dizer que sim.” O problema de fundo, diz o ex-ministro, foi “pressupor que a questão militar tem aspectos apenas administrativos, e não políticos. Isso é uma ingenuidade”.