Nos últimos dias, o empresário Marcelo Odebrecht, 51, tem encaminhado emails para familiares e diretores da Odebrecht com denúncias que atingem pessoas-chave da direção do grupo. No conjunto, as mensagens trazem discussões e queixas que o empresário vem fazendo internamente desde que deixou a prisão, em dezembro de 2017, mas que estavam restritas a um grupo pequeno.
São alvos de críticas o seu pai, Emílio Odebrecht, o seu cunhado, Maurício Ferro, que já atuou como diretor jurídico do grupo e é casado com Mônica Odebrecht, bem como Ruy Lemos Sampaio, executivo que assumiu na última segunda-feira, 16, o posto de diretor-presidente da holding.
Espaço pago
De acordo com as mensagens às quais a Folha teve acesso, Marcelo construiu uma tese sobre os motivos que levaram a Odebrecht à atual situação. A companhia passa por uma das maiores recuperações judiciais da história do país, com dívidas que chegam a R$ 98,5 bilhões.
Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do grupo Odebrecht afirmou que o conglomerado não irá se pronunciar sobre o assunto. Muitos dos emails detalham o conteúdo de uma minuta com 64 páginas que o próprio Marcelo redigiu e enviou para executivos da empresa, inclusive para a área de compliance (responsável por boas práticas corporativas).
Em uma das mensagens, o empresário manifesta a intenção de enviar a minuta para a força-tarefa da Lava Jato. Questões familiares aparecem em muitas mensagens. Até hoje, por exemplo, Marcelo narra nunca ter conseguido aceitar o que ele chama de “traição de Mauricio Ferro”, que chegou a ser preso por suspeita de corrupção.
Ele escreve que “o maior prejuízo nem foram os R$ 200 milhões roubados, mas tudo o que ele fez, destruindo a Odebrecht e as relações familiares, para ocultar este roubo”. O suposto desvio ainda está sob investigação.
O pai também é citado. Ainda que não afirme diretamente, Marcelo coloca na conta de Emílio muitos dos erros que teriam levado à recuperação judicial da Odebrecht, sobretudo por omissão. Filho e pai romperam relações quando Marcelo ainda estava cumprindo pena em Curitiba.
Em um dos emails, Marcelo questiona uma operação feita por Emílio Odebrecht. Segundo ele, o pai teria esvaziado a Kieppe, holding familiar controladora da Odebrecht, ao adquirir para si fazendas avaliadas em R$ 600 milhões e ter feito o pagamento com ações da Kieppe e não com seus próprios recursos.
Marcelo diz num texto que as ações da Kieppe “tinham um valor totalmente questionável desde 2016, e hoje não valem praticamente nada”. O pai, segundo Marcelo, ainda teria utilizado o seu poder no comando para nomear executivos que tinham “conflito de interesse”. Na avaliação dele, os escolhidos não focavam na gestão dos negócios e, muitas vezes, tomavam decisões em benefício próprio e em prejuízo à Odebrecht.
Marcelo questiona em particular a escolha de Sampaio para assumir o conselho de administração do grupo e, mais recentemente, o cargo de diretor-presidente, argumentando que o executivo atua em favor dos interesses de Emilio e de seus próprios, inclusive para evitar investigações que poderiam incriminá-lo.
Em um dos emails, Marcelo relata para um grupo de diretores, incluindo a diretora de compliance, Olga Pontes, que “existem evidências fortes, inclusive registros no My Web Day e Drousys [sistemas usados pela empresa para gerir o pagamentos de propinas], de que RLS [sigla para Ruy Lemos Sampaio], o representante escolhido pelo mandatário [Emílio Odebrecht], recebeu ou intermediou pagamentos indevidos. Isto entre outros fatos, como de obstrução à Justiça, que precisam ser urgentemente apurados”.
O empresário também diz que Sampaio trabalhou para impedir que sua atuação fosse descoberta. “No âmbito da ODB [sigla para Odebrecht], porém, RLS não apenas conseguiu bloquear as investigações, passando por cima de todos os compromissos que assumimos publicamente e com as autoridades, como deflagrou uma jornada rancorosa de vingança pessoal [contra Marcelo].”
O empreiteiro detalha que solicitou investigações internas sobre os fatos, que teriam sido bloqueadas por Sampaio. Marcelo afirma que alguns desses pagamentos, que Sampaio teria acompanhado, já foram identificados na ação penal do sítio de Atibaia.
As informações que envolvem Sampaio, inclusive, estão em um parecer técnico feito pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nele, o perito contador Claudio Wagner destaca: “Visando identificar as iniciais ‘RLS’ e não deixar nenhuma margem para suposições, localizamos referidas iniciais em mais seis ocasiões na planilha [que registrava propina]”.
A questão do conflito de interesses é uma temática recorrente dos emails e remete até ao acordo de delação firmado com o DoJ (sigla em inglês para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos).
Marcelo diz que é necessário investigar a troca do escritório de advocacia americano contratado pela Braskem, ainda em janeiro de 2015, em alinhamento com o DoJ, para iniciar as investigações independentes no âmbito da Braskem.
“Neste sentido tudo indica que esta troca fez parte da estratégia de, no âmbito do acordo de leniência da Braskem, fornecer apenas ‘informações controladas’, tanto às autoridades brasileiras, quanto ao DoJ”, afirma Marcelo na minuta encaminhada para a chefe do compliance.
Segundo ele, “a troca do escritório de advocacia americano contratado pela Braskem parece ser também parte da estratégia (ou do “efeito cascata”) de ações para obstruir as investigações”.
“Agiram de má fé, quando não criminosamente no entendimento do colaborador (Marcelo), quando da negociação do acordo com as autoridades americanas, em evidente prejuízo não apenas da verdade dos fatos, como da efetividade da colaboração, e dos próprios colaboradores. Ressalte-se, também o imenso prejuízo tangível e intangível que trouxe a Odebrecht nas suas operações internacionais. Um prejuízo que seguramente supera os U$$ 5 bilhões em perdas de ativos (especialmente concessões) e contratos de obra no exterior”, diz o trecho da minuta.
Marcelo afirma ainda que foi este fato “a principal causa para a deterioração econômica da Odebrecht ocorrida desde 2015, e que acabou por conduzir a Odebrecht SA e várias de suas controladas a grave situação financeira atual com quase todas as empresas em recuperação judicial ou extra-judicial”.
A empresa firmou um acordo de colaboração com o DoJ em dezembro de 2016 e o departamento tornou público parte das delações, expondo negociações de propinas em vários países que a empresa atuava. Após esse procedimento que a empresa perdeu contratos e renda nestes locais. Marcelo ainda faz críticas recorrentes à falta de transparência do comando da empresa, principalmente em relação à recuperação judicial.
Quando foi informado que a Odebrecht buscava um parecer para justificar a não abertura destas informações, ele rebateu em um email: “Parecer se busca para proteger uma decisão que se quer tomar, e não para se tomar a decisão certa.”
O capítulo mais recente das divergências ocorreu há uma semana, no dia 12, quando Ruy Sampaio pediu a demissão de Zaccaria Junior, então diretor de relações com a imprensa da construtora Odebrecht. Zaccaria atuava como assessor de imprensa de Marcelo e isso foi usado para justificar o seu desligamento.
O anúncio da demissão foi mal recebido internamente. Luciano Guidolin, então presidente, colocou o cargo à disposição, e foi seguido pelo diretor de RH, Daniel Villar.
Ruy Sampaio, então, assumiu a companhia, provocando forte reação de Marcelo.
“É uma aberração, em todos os sentidos, ele [Zaccaria] ser demitido por estar fazendo justamente o que foi orientado pela empresa/por seus líderes: me apoiar no contato com a mídia, justamente para assegurar, dado o impacto de tudo que falo, alinhamento de meus posicionamentos com a empresa”, diz Marcelo em um email endereçado a Alexandre Assaf, do comitê de ética da construtora.
A partir daí, Marcelo trouxe à tona questões que, até então, estavam restritas.
Procurado pela Folha, o empresário Marcelo Odebrecht afirmou que “tudo que tem a dizer já foi declarado à empresa e às autoridades”.
Folha de S. Paulo