Enquanto a Itália ainda se encontra em estado de recuperação devido à arrasadora epidemia de coronavírus, organizações criminosas de todo o país estão tentando usar essa situação para recuperar o controle sobre o território perdido nos últimos anos.
“Agora, mais do que nunca, o apoio popular é usado para se obter um desconto [para atividades mafiosas]”, diz Luigi Cuomo, presidente da SOS Impresa, organização italiana antiextorsão que protege pequenas e médias empresas.Máfia ensaia retorno em meio à crise do coronavírus na Itália.
Na Campânia, região sudoeste do país, a organização criminosa Camorra está atualmente se infiltrando na estrutura social, competindo com os esforços da sociedade civil para apoiar os habitantes locais.
Ao distribuir pacotes de alimentos ou notas de 50 euros (cerca de 300 reais), eles se aproximam dos mais vulneráveis que precisam de ajuda imediata. “Eles costumavam pedir dinheiro, agora eles dão. Eles estão dando em quantidades menores, depois pedirão algo em troca”, afirma Cuomo.
A Camorra está usando sua capacidade de sacar grandes quantidades de capital disponível para lavá-lo em negócios legais. “Registramos uma aceleração da prática que é facilitada pela propagação da crise”, continua Cuomo. “Agora, não há necessidade de ameaçar os negociantes. Os empresários estão procurando alguém para ajudá-los.”
Cuomo culpa o governo em Roma por atrasos, inépcia e confusão ao lidar com a crise que, segundo ele, impulsionou a percepção do dinheiro da máfia como uma oportunidade e último recurso para evitar a falência. Num esforço para controlar a situação, as autoridades apreenderam recentemente ativos no valor de 15 milhões de euros (cerca de 90 milhões de reais) em todo o país.
ECONOMIA ALTERNATIVA
A legislação italiana permite que as propriedades confiscadas pertencentes a clãs criminosos sejam redirecionadas para projetos sociais. De acordo com estatísticas da ANBSC (Agência Nacional de Administração e Destinação de Bens Confiscados do Crime Organizado), pouco mais de 65 mil propriedades, incluindo terrenos, empresas, edifícios e canteiros de obras, foram confiscadas em toda a Itália nos últimos 20 anos.
Renato Natale, prefeito de Casal Di Principe, na província de Caserta, na região da Campânia ‒cidade natal dos Casalesi, mais influente clã da Camorra‒ conseguiu redirecionar 65% dos ativos confiscados.
O modelo de economia social de mercado permite que cidadãos e ONGs usem os ativos para negócios de cooperativas sociais, como cafés, restaurantes, centros culturais e de saúde ou fazendas orgânicas. “Do ponto de vista econômico, essas cooperativas não visam maximizar lucros, mas têm um forte impacto cultural, pois mostram que é possível se libertar dos modelos de negócios ilegais baseados na opressão”, diz Natale.
As famílias de sua cidade estão tentando obter os incentivos do governo em forma de vales de compras para reduzir o fardo. “Os setores de restauração e construção são as principais atividades aqui, mas tudo teve que parar”, aponta o prefeito. Mais de 1.200 famílias se inscreveram para obter os cupons de 500 euros (cerca de 3 mil reais).
No entanto, esses fundos podem atender apenas a metade dos pedidos: “Pegamos o restante do orçamento municipal”, diz. Natale espera que a população de Casal Di Principe não seja atraída pela aparente assistência social da Camorra. “Estabelecemos estruturas anti-Camorra, e existe um desejo de liberdade por aqui, mas precisamos que o governo aja estabelecendo fundos estruturais em todo o país para não perder o que conseguimos até agora.”
Poder360