No dia 13 de dezembro de 1968, quando o Governo do marechal Costa e Silva baixou o decreto do Ato Institucional de número 5 (AI-5), o ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto justificou seu voto favorável à medida da seguinte forma: “Eu creio que a revolução veio não apenas para restabelecer a moralidade administrativa neste país, mas, principalmente, para criar as condições que permitissem uma modificação de estruturas que facilitassem o desenvolvimento econômico”.
Nessa segunda-feira, 25, quase 51 anos depois daquela data, marcada pela institucionalização da perseguição política e do terror cometido pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar (1964-1968), o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, reativou essa memória: “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro, não está à altura da nossa tradição democrática”, disse ele durante entrevista coletiva em Washington.
Guedes falava sobre os massivos protestos de rua que mergulharam alguns países da América em verdadeira convulsão social. Sobretudo o Chile, onde a população vem colocando em xeque o modelo liberal implantado pela ditadura Pinochet (1973-1990) e que é a principal referência do ministro do Governo Jair Bolsonaro. Sobre o risco de um possível contágio dessas manifestações em solo brasileiro, ele pedia que a oposição “fosse responsável” e praticasse democracia. “Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa?”, questionou. Ao ser perguntado por jornalistas sobre a desaceleração do ritmo de reformas econômicas por medo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Guedes respondeu: “Aparentemente digo que não [Bolsonaro não está com medo do Lula]. Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente de ilicitude. Vam’bora”.
Guedes depois ponderou que um novo AI-5 “é inconcebível”, mesmo “que a esquerda pegue as armas”. Mas a menção ao decreto da ditadura em tom de ameaça vem num momento em que a extrema direita brasileira se arma de instrumentos jurídicos para justificar ações radicais contra eventuais manifestações no Brasil. Há menos de um mês, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do presidente Jair Bolsonaro, afirmou em entrevista que, caso os protestos no Chile se repetissem em solo brasileiro, um novo AI-5 poderá ser editado. “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”.
GLO
Mesmo desautorizado na ocasião por seu pai, a radicalização segue no horizonte do Governo. Na última quinta-feira, 21, Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei que busca isentar de punição os militares, policiais federais e agentes da Força Nacional (formada por policiais de vários Estados) que cometam excessos ou matem durante operações sob o decreto presidencial de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Nesta segunda deixou claro que sua intenção era também a de reprimir protestos. “Vai tocar fogo em ônibus, pode morrer inocente, vai incendiar bancos, vai invadir ministério, isso aí não é protesto. E se tiver GLO já sabe. Se o Congresso nos der o que a gente está pedindo, esse protesto vai ser simplesmente impedido de ser feito”, disse o mandatário quando entrava no Palácio da Alvorada, segundo reportou a Folha. Bolsonaro ainda garantiu que vai enviar ao Congresso um projeto para permitir operações de GLO no campo, para garantir a reintegração de posse de propriedades rurais.
O projeto enviado ao Congresso na quinta-feira foi também assinado pelos ministros da Defesa, o general Fernando Azevedo Silva, e da Justiça, Sergio Moro. “Não adianta alguém estar muito bem de vida se está preocupado com medo de sair na rua com medo de ladrão de celular. Ladrão de celular tem que ir para o pau”, justificou Bolsonaro na ocasião. A ampliação do excludente de ilicitude durante operações no âmbito da GLO complementa o Pacote Anticrime enviado por Moro ao Congresso. Seu texto original previa que os agentes que aleguem “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” após matar podem ficar sem nenhuma punição. Essa parte foi excluída do projeto pelos deputados na Comissão de Segurança Pública da Câmara logo após a morte da menina Ágatha Félix, mas Moro fez um apelo na mesma quinta-feira para que o trecho volte a ser incluído no plenário.
Reações
A declaração do Ministro da Economia provocou reações. O presidente do STF, Dias Toffoli, disse que “o AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências fracassadas do passado”. A declaração foi feita durante Encontro Nacional do Poder Judiciário em Maceió.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que “não dá mais para usar a palavra AI-5 como se fosse bom dia, boa tarde, oi cara, não dá“. O deputado também se disse assustado com o comportamentos extremos dos políticos, que, para ele, parecem que “estão mais se preparando para uma briga campal do que pra uma disputa eleitoral no futuro”.
Com informações: El País