Símbolo cultural e um dos orgulhos gastronômicos de Natal, a ginga está diariamente na mesa de moradores e visitantes da Cidade do Sol. Consagrado pela célebre e deliciosa parceria com a tapioca, ao formar aquele que é possivelmente a iguaria mais tradicional da culinária local, o peixe, no entanto, não contava com estudo aprofundado sobre sua biologia.
Assim, pesquisadores do Centro de Biociências (CB) da UFRN foram a campo investigar detalhes que definissem, afinal, o que são as gingas. Entrevistando pescadores de diferentes localidades do estado, como Baía Formosa, Macau e Natal, e nos municípios de Cabedelo (PB), Recife (PE) e Fernando de Noronha, colheram informações que levassem a um conhecimento mais específico do peixe.
Nos resultados, descritos no artigo Tamanho importa: a etnoictiologia de uma espécie culturalmente importante no Nordeste do Brasil, a pesquisa aponta que se tratam majoritariamente de filhotes ou juvenis de duas espécies de peixe, Opisthonema oglinum (50%) e Harengula sp. (20%), que no auge de seus desenvolvimentos são reconhecidas, respectivamente, como sardinha azul/bandeira e sardinha cascuda. Ou seja, contrariando a expressão popular, neste caso, sim, tamanho é documento.
“Utilizamos o tamanho dos peixes para determinar se eram filhotes ou adultos. Vimos que a ginga tem um tamanho médio de 7 cm e que todos os peixes vendidos como ginga eram filhotes, ou seja, ainda não se reproduziam. Para a sardinha, observamos que em média tinham 11 cm, sendo a grande maioria adulta”, explica Thais Ferreira-Araújo, pesquisadora da Pós-Graduação em Sistemática e Evolução da UFRN e primeira autora do estudo.
Além disso, o trabalho mostrou que, apesar de o nome ser conhecido em outras partes do Nordeste, o consumo da ginga se restringe, de fato, à capital potiguar, ratificando sua identidade bastante representativa da cidade. Na avaliação de Thais, os resultados são de grande importância para o manejo e o uso sustentáveis desse pescado.
“É preciso conhecer para conservar. Se não soubermos quais espécies são reconhecidas e pescadas como ginga, não é possível fazer sua avaliação pesqueira para entender como está a saúde dessa população”, explica Thais. Ainda segundo a pesquisadora, embora não seja um peixe ameaçado de extinção, o monitoramento é essencial.
“Sempre é importante realizarmos avaliações pesqueiras para saber como vai a pesca daquele peixe, se é sustentável ou não, pois não queremos pescar em excesso ao ponto de ela deixar de existir. E, no caso da ginga, não é só o papel biológico e ecológico que se perde caso a mesma desapareça, toda essa cultura única associada a ela também se vai”, afirma Thais.
Também autora do artigo, a professora do Departamento de Ecologia da UFRN, Priscila Lopes, vai no mesmo caminho de Thais Ferreira-Araújo. Ressaltando o conhecimento como forma de preservação, ela fala do aspecto cultural associado à ginga e de que maneira isso influencia nos cuidados relacionados a esse peixe.
“A ginga tem uma importância cultural muito grande para o natalense e é estranho que sequer soubéssemos do que se tratava. Conhecer e valorizar uma espécie de relevância cultural pode inclusive favorecer a sua gestão, pois tendemos a cuidar melhor daquilo que faz parte de nossa história e identificação”, destaca a professora.