O ministro do Supremo Tribunal (STF) Federal Gilmar Mendes se disse surpreso com a afirmação do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que chegou a planejar assassiná-lo. No documento, divulgado nesta sexta-feira (27), Mendes lamenta o fato e recomenda que o ex-PGR procure ajuda psiquiátrica.
Rodrigo Janot disse nesta quinta-feira (26) ao jornal O Estado de S. Paulo que, no momento mais tenso de sua passagem pelo cargo, chegou a ir armado para uma sessão do STF com a intenção de matar a tiros o ministro Gilmar Mendes. “Não ia ser ameaça, não. Ia ser assassinato mesmo. Ia matar ele (Gilmar) e depois me suicidar”, afirmou Janot. Segundo o ex-procurador-geral, logo depois de ele apresentar uma exceção de suspeição contra Mendes, o ministro difundiu “uma história mentirosa” sobre sua filha. “E isso me tirou do sério.”
Os hoje desafetos eram amigos nos anos 1980
Em 2017, quando a desavença entre os dois já era notória, Janot disse, em entrevista no 12º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em São Paulo, que todas as vezes em que teve de se dirigir “de uma maneira mais dura foi reagindo a uma agressão”.
Na mesma ocasião relatou que os dois tomaram posse no Ministério Público Federal no mesmo dia – 1º de outubro de 1984 – e que, nos anos 1980, durante o período de formação acadêmica de ambos, simultaneamente Janot foi para Itália e Mendes para a Alemanha.
“Lá a gente se frequentava, ele nunca veio à Itália, eu fui à Alemanha, nós saíamos, tomávamos cerveja. Nós éramos de um mesmo grupo e depois a vida foi encaminhando cada um para o seu lado. Eu não tenho nada contra ele, é da minha turma de concurso.”
A cena do quase assassinato está narrada, sem detalhes, no livro Nada Menos que Tudo (Editora Planeta), que será lançado na próxima semana. Gilmar Mendes e Janot viviam trocando críticas e indiretas em público: o ministro é crítico dos métodos utilizados pela força-tarefa da Operação Lava Jato, que foi comandada por Janot por quase quatro anos. Janot saiu do comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) em 17 de setembro de 2017.
Após a saída de Janot, os dois chegaram a se estranhar até em avião para a Europa. Um mês após sair do cargo, em outubro de 2017, Janot insinuou que Gilmar Mendes tivesse algum problema de saúde que o levasse a ter ódio. “Ninguém tem essa capacidade de odiar gratuitamente a várias pessoas a não ser que tenha algum problema, né, de saúde”, disse durante palestra na Universidade Georgetown, em Washington.
Leia a íntegra da carta de Gilmar Mendes em resposta a Janot:
“Dadas as palavras de um ex-procurador-geral da República, nada mais me resta além de lamentar o fato de que, por um bom tempo, uma parte do devido processo legal no país ficou refém de quem confessa ter impulsos homicidas, destacando que a eventual intenção suicida, no caso, buscava apenas o livramento da pena que adviria do gesto tresloucado. Até o ato contra si mesmo seria motivado por oportunismo e covardia.
O combate à corrupção no Brasil – justo, necessário e urgente – tornou-se refém de fanáticos que nunca esconderam que também tinham um projeto de poder. Dentro do que é cabível a um ministro do STF, procurei evidenciar tais desvios. E continuarei a fazê-lo em defesa da Constituição e do devido processo legal.
Confesso que estou algo surpreso. Sempre acreditei que, na relação profissional com tão notória figura, estava exposto, no máximo, a petições mal redigidas, em que a pobreza da língua concorria com a indigência da fundamentação técnica. Agora ele revela que eu corria também risco de morrer.
Se a divergência com um ministro do Supremo o expôs a tais tentações tresloucadas, imagino como conduziu ações penais de pessoas que ministros do Supremo não eram. Afinal, certamente não tem medo de assassinar reputações quem confessa a intenção de assassinar um membro da Corte Constitucional do País.
Recomendo que procure ajuda psiquiátrica. Continuaremos a defender a Constituição e o devido processo legal.”