Nascido da ferocidade reinante no sistema prisional paulista, o Primeiro Comando da Capital (PCC) foi fundado há exatos 30 anos, em 31 de agosto de 1993, a pretexto de reivindicar mudanças nas condições de vida dos presidiários. Desde então, o grupo extrapolou os muros do sistema e perdeu o caráter de sindicato. Hoje, é uma multinacional do crime, com diretores bem remunerados e um exército de funcionários à disposição, sustentada pelos bilhões do tráfico de cocaína.
No início, eram apenas oito presos. Três décadas depois, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) calcula que o PCC tenha atualmente 100 mil “colaboradores”, número suficiente para alçá-lo, se fosse uma empresa, ao posto de terceiro maior empregador do Brasil, à frente de bancos, gigantes atacadistas e mineradoras.
São cerca de 40 mil “irmãos”, os batizados pelo PCC, e 60 mil “companheiros”, os prestadores de serviços. Todos submetidos às regras e à hierarquia do grupo. O crescimento exponencial aconteceu sob vista grossa de autoridades e à custa de um número incalculável de mortes dentro e fora dos presídios.
O PCC foi criado dentro do Piranhão, Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo Crédito: Google Street View/Reprodução
Para complementar o faturamento, a facção realiza contrabando de armas e assaltos cinematográficos. Também tem ramificações nos setores de comércio, serviços, mercado imobiliário, garimpo e até no de criptomoedas.
Segundo investigadores e estudiosos da facção, antes de se tornar a maior organização criminosa da América do Sul, o PCC atravessou uma “fase social”. Essa jornada começa no anexo da Casa de Custódia de Taubaté, no interior paulista, mais conhecido por “Piranhão”, “Casa de Monstros” ou “Campo de Concentração”.
Crédito: Evelson de Freitas/Folhapress
Em fevereiro de 2001, o PCC promoveu uma megarrebelião em 29 unidades prisionais de São Paulo
OS FUNDADORES
César Augusto Roriz Silva, o Cesinha (líder)
Condenado a mais de 140 anos de prisão por roubos e homicídios, era o mais empolgado com a ideia de formar um “sindicato de presos”. Um dos líderes do grupo, tinha como assinatura a decapitação de rivais. A prática foi difundida no PCC. Morreu em agosto de 2006, aos 39 anos, assassinado a estocadas na Penitenciária de Avaré (SP).
José Márcio Felício, o Geleião (líder)
Inventor da sigla PCC. Também líder do grupo, foi responsável por matar um dos presos rivais só com as próprias mãos no crime que inaugurou a facção. Estava preso desde 1979, por roubar e estuprar uma estudante na capital paulista. Morreu em maio de 2021, aos 60 anos, de Covid-19. Foi o último fundador do PCC a morrer.
Mizael Aparecido da Silva, o Miza (líder)
Autor do primeiro estatuto do PCC. Estava preso desde 1985, acusado de estupro – crime que escondia dos outros detentos. No Piranhão, chegou a surtar e a comer os próprios dejetos durante um banho de sol. Morreu em fevereiro de 2002, aos 41 anos, assassinado por enforcamento na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP).
Isaías Moreira do Nascimento, o Isaías Esquisito
Era condenado a 34 anos de prisão por assalto e assassinatos. Portador de HIV, foi o primeiro fundador do PCC a morrer. Morreu em outubro de 1995, na Penitenciária do Estado (SP), de causas naturais.
Antônio Carlos Roberto da Paixão, o Paixão
Cumpria pena de 26 anos de prisão por roubo e assassinatos. Cometeu suicídio três anos após fundar o PCC. Morreu em agosto de 1996, enforcado na própria cela no Piranhão (SP).
Wander Eduardo Ferreira, o Du Cara Gorda
Era condenado a mais de 60 anos de prisão por homicídios e assaltos a bancos. Morreu em outubro de 2000, em confronto com a Polícia Militar, durante uma tentativa de fuga em Marília (SP).
Antônio Carlos dos Santos, o Bicho Feio
Em conflito com outras lideranças, saiu do PCC pouco depois e fundou o Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), grupo rival, em 1999. Morreu em dezembro de 2000, decapitado por membros do PCC durante um motim no Piranhão (SP).
Ademar dos Santos, Dafé
Também rompeu com o PCC e se tornou um dos fundadores do CRBC, facção criminosa com atuação em Guarulhos (SP). Morreu em dezembro de 2000, executado por membros do PCC durante um motim no Piranhão (SP)
Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra
Apesar de não ser fundador do PCC, foi o primeiro preso a ser batizado. Afilhado de Cesinha, escalou rapidamente e se tornou o membro mais importante em São Paulo. Ladrão de banco, era condenado a 218 anos e respondia a 68 inquéritos na capital, Ribeirão Preto e outras cidades do interior. Morreu em julho de 2001, assassinado por enforcamento no Piranhão (SP).
Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola
Amigo de infância de Cesinha, também foi um dos primeiros batizados pelo PCC. Passou pela antiga Febem, virou especialista em assaltar bancos e é condenado a mais de 330 anos de prisão. No Piranhão, tinha o vulgo de “Playboy”. É o único líder da primeira geração do PCC que está vivo.
Estar no Piranhão era uma espécie de castigo. Famosa por abrigar presos de alta periculosidade, incluindo latrocidas e sequestradores, a cadeia recebeu Pedrinho Matador, o Maníaco do Parque e o Bandido da Luz Vermelha. Na unidade, a diretoria empilhava denúncias de tortura e maus-tratos.
Em 1993, o diretor era José Ismael Pedrosa, o mesmo do Massacre do Carandiru, ocorrido no ano anterior, que terminou com 111 presos mortos e nenhum policial militar punido até hoje. O episódio, tido como uma “covardia” pela massa carcerária, ainda repercutia no sistema prisional de São Paulo.
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José Ismael Pedrosa foi diretor do Carandiru durante o massacre de 1993 e do Piranhão na época da criação do PCC
A realidade das cadeias também era diferente. Com extorsões, estupros e assassinatos banais cometidos internamente, presidiários formavam gangues para se proteger e disputar poder com rivais.
“Era uma coisa praticamente natural que os detentos encontrassem com os seus comparsas dentro do sistema, garantindo segurança e identificação”, afirma o procurador de Justiça Márcio Christino, do MPSP, que investiga o PCC desde a sua fundação.
Com 40 mil “irmãos” e 60 mil “companheiros”, o PCC ocuparia o posto de terceiro maior empregador do Brasil, se fosse uma empresa formal.
Os presos nascidos na capital paulista eram minoria no Piranhão e viviam sob constante ameaça. Com currículo recheado de crimes violentos e oratória elogiada até por policiais, José Márcio Felício, o Geleião, e César Augusto Roriz Silva, o Cesinha, lideravam o grupo dos paulistas.
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José Márcio Felício, o Geleião, foi o primeiro grande líder do PCC
A partida de futebol foi o episódio que os oito detentos utilizaram para trucidar os rivais e impor a sua disciplina na cadeia. Escrito à mão por Mizael Aparecido da Silva, o Miza, o primeiro estatuto do PCC proibia que presos cometessem delitos entre si, sem autorização prévia, e insuflava a massa carcerária contra a administração penitenciária.
Logo no primeiro artigo, o estatuto determinava “lealdade, respeito e solidariedade, sobretudo ao Partido”, outra forma de se referir ao PCC. A facção também seria chamada de “Sindicato do Crime” e de “1533” – sequência numérica formada pela ordem em que cada letra da sigla aparece no alfabeto.
O estatuto do PCC serve para disciplinar as regras da facção, que valem para seus membros, dentro ou fora das cadeias, e para regiões dominadas fora do presídio (moradores comuns). O primeiro estatuto foi escrito por Miza (fundador), em 1993. As regras do PCC sofrem
VEJA AS MUDANÇAS NO ESTATUTO
Contagiada pela proposta de pacificar as cadeias e “revolucionar o país de dentro da prisão”, boa parte dos detentos aderiu voluntariamente à facção. Já os opositores eram mortos sumariamente.
“O PCC era algo completamente diferente. Ele vinha de dentro [da cadeia] para fora, e não de fora para dentro. A primeira ação do PCC foi impor a vontade dele em relação aos outros presos. E eles vendiam a ideia de que, estando do lado deles, os presos estariam protegidos”, diz Christino.
Para entrar no PCC, era necessário ter padrinho, ser batizado e prestar juramento. O primeiro novo integrante foi Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, assaltante de banco famoso pela crueldade e por gostar de fazer citações do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956).
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Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, foi o primeiro novo integrante do PCC
Pelas regras impostas, membros em liberdade deveriam contribuir com R$ 500 por mês para o caixa da facção. Os que estavam em regime semiaberto tinham de pagar R$ 250. Já os encarcerados desembolsavam R$ 25. O valor arrecadado, chamado de “cebola”, serviria para bancar advogados, prestar assistência às famílias em necessidade e também patrocinar regalias para integrantes da cúpula.
O dinheiro era usado, ainda, para corromper agentes penitenciários, comprar armas e investir em “centrais telefônicas”, estruturas capazes de garantir a comunicação simultânea dos presos, via celulares contrabandeados para a cadeia.
Crédito: Divulgação/Museu Penitenciário Paulista – MPPEm poucos anos, o PCC dominou a maior parte dos presídios de São Paulo
FONTE: METRÓPOLES