
A Câmara Municipal de Natal vai começar a discutir nos próximos dias um projeto que, se aprovado, vai instituir na capital potiguar a chamada Lei Felca de Combate à Cyberpedofilia. A proposta é de autoria da vereadora Thabatta Pimenta (Psol) e estabelece políticas específicas para prevenção, repressão e combate à exploração sexual de crianças e adolescentes no ambiente virtual.
O projeto é apresentado após a repercussão de um vídeo publicado no YouTube pelo influenciador Felca que atingiu 40 milhões de visualizações em uma semana. Em quase 50 minutos de vídeo, Felca denunciou casos de exposição e sexualização precoce de crianças em plataformas digitais, prática que ele relaciona à busca por engajamento e monetização de conteúdos. Na gravação, Felca alerta para os riscos dessa exposição, critica a falta de moderação das redes sociais e defende maior responsabilidade das plataformas e dos criadores de conteúdo na proteção do público infantil.
O texto sugerido por Thabatta define “cyberpedofilia” como a prática de crimes sexuais contra crianças e adolescentes por meio da internet ou outros recursos digitais, incluindo “estupro de vulnerável, com premeditação em espaços virtuais”, “corrupção de menores”, “adultização de crianças ou adolescentes” e a “produção, divulgação, comercialização, distribuição, posse ou consumo de imagens, vídeos ou quaisquer outros conteúdos de natureza sexual envolvendo crianças ou adolescentes”.
Também estão contemplados o aliciamento, o assédio e a tentativa de contato para fins de exploração sexual, inclusive com marcação de encontros por meio de redes sociais, aplicativos de mensagens, e-mails e jogos on-line.
O que o projeto prevê?
A proposta fixa ações de prevenção por meio de “educação digital segura e campanhas de conscientização” voltadas para crianças, adolescentes, famílias e profissionais, bem como a atuação integrada de órgãos municipais, estaduais e federais para coibir e punir esse tipo de crime.
Entre as diretrizes estão “garantir a proteção integral e prioritária das crianças e adolescentes”, “assegurar a existência e divulgação ampla de canais seguros, acessíveis e sigilosos para denúncias” e “garantir atendimento humanizado, sigiloso e multidisciplinar às vítimas, com suporte social, psicológico e jurídico”.
Para implementar essas diretrizes, o município poderá desenvolver campanhas educativas, promover formação continuada para servidores, estimular parcerias com entidades públicas e privadas, divulgar canais de denúncia como o Disque 100, implementar programas de atendimento multidisciplinar e realizar monitoramento contínuo das ações.
O texto também determina que espaços de uso coletivo – como órgãos públicos, escolas, unidades de saúde e estabelecimentos privados de acesso ao público – comuniquem imediatamente às autoridades competentes qualquer episódio de cyberpedofilia ocorrido em suas dependências.
Dados
A proposta vem acompanhada de uma justificativa que apresenta dados recentes sobre o problema. De acordo com a SaferNet Brasil, em 2024 foram registradas 71.867 denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infantil na internet, o maior volume desde 2006. O Brasil ficou em quinto lugar no ranking mundial desse tipo de crime. No Rio Grande do Norte, as violações sexuais contra crianças e adolescentes no ambiente virtual cresceram 24% entre 2020 e 2023, segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. O Disque 100 recebeu, em 2024, 559 denúncias relacionadas ao estado, o que representa uma estimativa de mais de 1.298 violações reais.
O projeto também destaca que os casos de estupro de vulnerável aumentaram de 707 registros em 2022 para 968 em 2023 no RN, um crescimento de 36,9%. Para Thabatta Pimenta, a realidade exige que o município atue “além da mera repressão”, priorizando ações preventivas e educativas. A parlamentar afirma que, embora já exista o Plano Municipal de Combate à Pedofilia (Lei nº 7.737/2024), “tal legislação não aborda de maneira explícita e estruturada a ciberpedofilia”.
O que diz a vereadora
Na justificativa, Thabatta Pimenta defende que a regulamentação das redes sociais é “medida indispensável” para responsabilizar plataformas pela veiculação de conteúdos abusivos e incentivar políticas de moderação mais rigorosas. Para a vereadora, essa regulação “não deve ser encarada como uma forma de censura, mas como um imperativo de proteção aos direitos fundamentais de uma população vulnerável”.
O Conselho Tutelar é apontado como peça estratégica na rede de proteção proposta, atuando como porta de entrada para encaminhar casos detectados no ambiente virtual. A proposta prevê a divulgação permanente do Disque 100 e campanhas informativas para ampliar o número de denúncias e combater a impunidade.
Alinhada a Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, como o ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes) e o ODS 4 (Educação de Qualidade), a Lei Felca busca integrar políticas públicas municipais à agenda global de direitos humanos. A autora argumenta que a aprovação representará “um compromisso efetivo do Município de Natal com a construção de um ambiente seguro para suas crianças e adolescentes, dentro e fora do universo digital”.
O texto agora segue para análise nas comissões temáticas da Câmara Municipal antes de ser votado em plenário. Caso aprovado, o Executivo terá 90 dias para regulamentar a lei e colocar as ações em prática.
Agora RN
