Ao mesmo tempo que o presidente interino Michel Temer obteve uma importante vitória para o seu Governo na Câmara, aprovando, por maioria qualificada, um projeto de desvinculação de receitas que lhe dará mais fôlego para administrar o rombo das contas públicas, um mal estar se instalou pela contradição entre outras medidas aprovadas na mesma leva e as promessas de austeridade do novo Governo. A aprovação ocorreu na mesma sessão que autorizou o reajuste salarial de servidores do Executivo, do Judiciário e do Legislativo, uma medida que deve tirar 52,9 bilhões de reais do caixa do Governo até 2018, um terço do cheque especial dos cofres públicos. Na sequência, a Câmara aprovou ainda a criação de 14.419 cargos públicos federais, três vezes mais do que ele prometeu cortar em cargos comissionados como indicativo da disposição da gestão de cortar na própria carne.
O Ministério do Planejamento insiste que nenhuma dessas medidas terão impacto para as contas públicas. O reajuste, segundo nota divulgada pela assessoria de imprensa do órgão, “já estava previsto no orçamento”. Já os novos cargos não aumentariam os gastos públicos porque serviriam para substituir postos vagos nos últimos anos. Entretanto, eles não estavam previstos no orçamento de 2016, o que significa que haverá, sim, um custo extra para as contas deste ano caso os concursos públicos para os postos sejam abertos. Diante da repercussão negativa, a gestão Temer diz que os concursos estão suspensos.
Para economistas, o recado dado nas sessões da Câmara foi bastante claro: Temer está preso em uma “camisa de força” do Congresso, o que pode, além de irritar a opinião pública convidada a fazer “sacrifícios” por causa da crise, afetar um ativo caro a gestão: a confiança do mercado financeiro. “O país está na UTI. Dada a gravidade da situação das contas públicas, o mercado passa a olhar o Governo com mais ressalvas. Todo ajuste fiscal é uma prova de resistência com obstáculos, mas não temos hoje muita margem para erros”, afirma Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.
“Parece que o Temer não tem escolha a não ser fazer concessões para manter sua base, ainda mais porque o próprio processo do impeachment não terminou”, diz ela. Alguns dos senadores que se diziam favoráveis ao impeachment de Dilma estão voltando atrás, o que ameaça a permanência de Temer na presidência e reduz seu poder de barganha no Congresso. A fragilidade potencial por causa da Operação Lava Jato parece levar o Planalto a preferir pagar o preço político das medidas a tentar possíveis bombas, como greve do funcionalismo.
O economista André Nassif, da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade Federal Fluminense, pondera que esse “pacote de bondades do Temer” desemboca num efeito cascata perigoso para a contenção dos gastos tanto em esfera federal quanto estadual e municipal. “Quando se aumenta o teto do funcionalismo público, medido pelo salário dos juízes federais, você dá poder de negociação para categorias que estavam próximas a esse teto nas esferas estaduais e municipais também. Os governadores e prefeitos, inclusive, já estão ensaiando a moratória de suas dívidas com a União, pois não têm dinheiro para cumprir nem com os gastos que já estão dados”, destaca o economista.
O reajuste dos servidores federais começará a valer em julho deste ano. Ainda estão na mesa negociações reajustes para outras categorias, como os auditores da Receita Federal, delegados da Polícia Federal, médicos do INSS, entre outros com forte poder de pressão. Os impactos de um eventual aumento para esses profissionais ainda não são possíveis de mensurar.