A pouco tempo das imprevisíveis eleições brasileiras, um dos homens mais ricos e poderosos do país está expandindo ainda mais as fronteiras de seu império midiático e religioso.
“Nada a Perder”, o filme biográfico do bispo evangélico bilionário Edir Macedo, estreou na Netflix na última sexta-feira, exatos três meses após o lançamento no cinema, que atraiu milhões de brasileiros para a mais recente ferramenta de marketing da Igreja Universal. Foi o filme de maior sucesso da história do cinema brasileiro, segundo a TV Record, emissora de televisão controlada por Macedo.
Quer isso seja verdade ou não –outros meios de comunicação locais contestaram a alegação–, a noite de pré-estreia em Brasília em 28 de março atraiu muitas das elites políticas do país, incluindo deputados federais, governadores e até o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.
Com seus canais de TV, rádios e púlpitos, a Igreja Universal de Macedo já desempenha um papel importante na formação da opinião pública e, conforme as incertezas políticas do Brasil crescem, a disciplina e o poderio econômico da organização prometem ter um impacto significativo nas eleições deste ano. As expectativas de que a bancada evangélica no Congresso dobrará de tamanho após a votação de outubro são altas.
A Igreja Universal não é “aliada a nenhum candidato político”, disse o departamento de imprensa por email. A Record não comentou.
“A programação jornalística, dramatúrgica, de entretenimento e também a religiosa é usada como instrumento para a defesa dos interesses políticos e econômicos da entidade religiosa”, diz Janaine Aires, pesquisadora e autora do livro “Sempre Foi Pela Família”, que detalha a relação entre religião, mídia e política no Brasil.
Macedo controla um total de cinco meios de comunicação, mas nenhum é mais poderoso do que o canal de televisão que ele foi quase impedido de comprar, a TV Record, muitas vezes considerada a segunda maior rede do Brasil. Isso coloca o bispo em uma posição excepcionalmente poderosa, em um momento em que vários pré-candidatos presidenciais, em grande parte impopulares, disputam a atenção da mídia.
“Olhe para o estado de São Paulo, tem 645 municípios. Como uma pessoa vai ser conhecida em 645 municípios?”, o pré-candidato à presidência Geraldo Alckmin perguntou a um grupo de líderes empresariais no Rio de Janeiro na semana passada. “Tem que estar na televisão.”
Com apenas um dígito nas intenções de voto, Alckmin tem dado expediente extra para obter apoio. Na tentativa de ganhar o apoio do bispo, o ex-governador de São Paulo teria se encontrado recentemente, segundo a imprensa local, com o sobrinho de Macedo, Marcelo Crivella, outro bispo evangélico que demonstrou a força política da Igreja em sua eleição como prefeito do Rio de Janeiro em 2016. A assessoria de Alckmin disse à Bloomberg que ele não se encontrou com Crivella, mas teve conversas com o presidente nacional do PRB, Marcos Pereira.
Sem alianças
Tradicionalmente, candidatos e partidos com agendas políticas muitas vezes divergentes se aglutinam em coalizões frágeis em um esforço para obter uma fatia maior do tempo oficial de transmissão na TV, que é decidido de acordo com os resultados anteriores. Eles também se empenham para atrair as câmeras das empresas de mídia, cujos programas de notícias e entretenimento determinam a percepção do eleitorado sobre os candidatos políticos. Este ano, com o tempo de TV determinado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) consideravelmente reduzido, o papel dos canais de mídia ligados à Igreja Universal poderia reforçar consideravelmente a presença dos candidatos no meio.
Pelo menos um candidato presidencial já recebeu alguma cobertura do Record. O bilionário do setor varejista Flavio Rocha, pré-candidato pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB), o partido mais próximo de Macedo, foi recentemente entrevistado na The Love School – Escola do Amor, um programa de TV apresentado pela filha do bispo, Cristiane Cardoso.
Rocha também investiu em “Nada a Perder”. Um assessor disse que o empresário patrocinou vários projetos culturais e que o filme era apenas um deles.
Em seu livro “Plano de Poder”, Macedo delineou suas ambições de ver a igreja evangélica governar o país um dia. Com a contagem de evangélicos crescendo mais de 60% entre 2000 e 2010, de acordo com o censo do IBGE, os números parecem estar indo neste caminho. Uma pesquisa do Datafolha de 2017 mostrou que mais de 30% dos brasileiros se consideram evangélicos. Se a tendência se mantiver, os católicos provavelmente deixarão em breve de ser a maioria.
Não é verdade que a Igreja Universal tenha algum projeto de poder, disse a assessoria de imprensa da Igreja por email. “Nosso único projeto é divulgar a fé cristã e ajudar os necessitados.” A igreja regularmente indica reportagens críticas de sua atividade como “fake news”.
O crescimento estatístico se traduziu em maior poder político. A bancada evangélica é estimada em cerca de 70 congressistas, e pretende dobrar este número, de acordo com o jornal Valor Econômico.
No entanto, Macedo e grupos evangélicos não são os únicos que obscurecem as fronteiras entre mídia e política. Dezenas de deputados são donos de meios de comunicação, como afiliados de rádio e TV, o que é inconstitucional, segundo Olívia Bandeira, pesquisadora do coletivo de comunicação Intervozes.
Disciplina evangélica
O envolvimento dos brasileiros com as mídias sociais, assim como mudanças nas regras de financiamento de campanhas e as novas restrições quanto ao uso de propaganda cinematográfica, podem reduzir o papel das redes de televisão, como a Record ou a maior rede do país, a TV Globo, nas eleições, diz Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Embora a cobertura da Record sobre a eleição possa influenciar as pessoas, as autoridades eleitorais locais estarão atentas a qualquer má conduta, diz Romano. Isso significa que os evangélicos são mais propensos a se direcionar através de meios mais tradicionais.
“Os evangélicos têm muita adesão à palavra dos pastores”, afirma Romano. “Eles são muitos mais disciplinados do que os católicos”.
Exame