Um projeto de lei que entrou em tramitação na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte prevê que mulheres que queiram interromper a gravidez passem por tratamento psicológico e acompanhamento social para serem convencidas a não abortar. Entre outras iniciativas, as mulheres teriam que escutar sinais vitais do feto e assistir vídeos sobre as técnicas de abortamento antes do procedimento. No Brasil, o aborto só é permitido em três situações: em caso de estupro, de anencefalia ou risco de vida para a mãe.
O texto entraria na pauta de uma das comissões da casa nesta semana, mas foi tirado pelo próprio autor, o deputado estadual Kleber Rodrigues (PL), após protestos de entidades que defendem os direitos das mulheres e consideraram que o projeto significaria uma mais uma violência psicológica contra as vítimas de estupro.
A matéria ainda previa que as mulheres passariam pelo “tratamento” psicológico e social até 15 dias após conseguirem decisões judiciais favoráveis à interrupção da gravidez.
Segundo a presidente Conselho Regional de Serviço Social do Rio Grande do Norte, Angely Cunha, a entidade defende a rejeição total ao projeto de lei. “Ele ataca o direito à dignidade, provoca tortura e fortalece a cultura do estupro, tirando um direito da mulher que já é estabelecido pelo código civil desde a década 1940. Ao invés de contribuir, ele traz mais traumas psicológicos, além do abuso que a vítima já sofreu. Tira o foco do acusador e joga a culpa sobre a vítima”, comentou.
Para ela, apesar de ser intitulado como “medidas de apoio à mulher gestante”, o projeto cria obstáculos para garantia do procedimento de interrupção da gestação, submetendo a mulher a uma peregrinação na justiça, além de passar por “sessões de tortura onde será submetida a ver e ouvir sinais vitais do feto e assistir procedimentos de abortamentos”.
“O projeto é contrário à Constituição Federal de 1988 onde garante que nenhuma pessoa deverá se submeter à tortura ou tratamento desumano, degradante que constrange a mulher e que deixam sequelas psicológicas e sociais”, disse.
Para a presidente da comissão de direitos humanos da OAB/RN e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Mariana de Siqueira, o projeto teria “vícios de constitucionalidade”. “Tanto por sufocar a liberdade da mulher, como por submeter a conflitos psicológicos intensos, submeter a mulher a uma tormenta psicológica. Além disso, aborda temas que são do direito penal, que não cabe aos estados-membros da federação tratar”, considerou. Por outro lado, ela considera que o texto ainda passaria por tramitação no Legislativo, podendo sofrer várias alterações.
‘Incorreção’
“O início da vida começa na concepção. A Constituição Federal tem na vida humana, seu pilar de maior valor e defesa. Dessa forma, é necessário regular de forma muito estrita os casos em que é permitido o abortamento. Durante a gestação, o poder público e a sociedade em geral devem cuidar das duas vidas afetadas: a da gestante e a do embrião/feto. Todo o cuidado deve ser dispensado para que estas duas vidas tenham a segurança e o conforto necessários nos meses de gestação e no puerpério”, dizia a mensagem parlamentar publicada junto com o projeto de lei, no diário oficial da Assembleia, no dia 6 de março.
Em nota enviada ao G1 nesta quarta (19), o gabinete do deputado Kleber Rodrigues afirmou que, “a pedido do deputado estadual” o projeto foi retirado antes de tramitar nas Comissões internas da Casa.
“Uma incorreção da assessoria do parlamentar fez constar no projeto recomendações nas quais o deputado não concorda e repudia. A proposta originária era oferecer segurança psicológica e saúde física a mulher, no entanto, com termos equivocados na redação, a matéria traz imperfeições severas, motivo pelo qual o deputado Kleber Rodrigues optou pelo arquivamento”, informou na nota.
“O parlamentar tem, sobretudo como cidadão, compromisso em contribuir para dignidade do ser humano e construção da cidadania. Como integrante do Poder Legislativo, o deputado mantém postura inarredável com projetos e propósitos para qualidade de vida do povo do Rio Grande do Norte”, concluiu a nota emitida pelo gabinete.
G1RN