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Pastora evangélica declara que não acredita em Deus

Apesar de popular em sua congregação, pastora vai enfrentar processo que pode resultar no fim de sua carreira religiosa

Apesar de popular em sua congregação, pastora vai enfrentar processo que pode resultar no fim de sua carreira religiosa

Numa manhã de frio típica do clima canadense, 90 moradores de Toronto vencem a chuva e o vento cortante para assistir a mais um culto evangélico.

Todos os domingos, o prédio de interior austero é palco de 1h30 de culto, durante o qual o público ouve sermões sobre os dilemas da vida moderna, canta e promove ações comunitárias.

Apesar da rotina comum a qualquer congregação, o local esconde uma improvável rebelião, que pode alterar para sempre a forma como os canadenses lidam com a espiritualidade.

Durante todo o culto, ouve-se a palavra amor 43 vezes. Mas não há qualquer menção a Deus. Isso é assim desde que Gretta Vosper, pastora responsável pela comunidade, assumiu ser ateia.

Todos os objetos religiosos foram removidos dali. A única cruz em seu interior foi escondida por uma série de feixes de pano coloridos, que formam uma espécie de arco-íris suspenso. Também não há mais orações ou citações bíblicas. Apenas uma conversa em que Vosper faz perguntas e convoca seu público a dividir experiências.

“Não vejo qualquer evidência de que Deus exista, especialmente aquela figura benevolente que tem tudo sob seu controle”, diz ela à BBC Brasil.

Para ela, Deus é apenas uma metáfora sobre as relações que estabelecemos com o mundo. “Com tantas coisas ruins à nossa volta, não posso aceitar o argumento de que qualquer acontecimento é parte da vontade de Deus”, afirma.

Não usarás o nome de Deus em vão

As afirmações de Gretta têm provocado polêmica no país. Isso porque, até o fim de maio, ela deve enfrentar um processo que pode resultar no fim de sua carreira.

A conversão da pastora ao ateísmo começou há 15 anos, de forma gradativa. Primeiro, removeu menções bíblicas de suas falas. Em seguida, deixou de citar todas as entidades sobrenaturais, incluindo Jesus Cristo.

Foto: Rafael ChachéImage 
Image captionIgreja Unida do Canadá reúne quatro correntes protestantes, incluindo a presbiteriana e a metodista

Na sequência, removeu as orações que tradicionalmente iniciam e finalizam o culto protestante. No lugar, uma conversa coletiva discute soluções para problemas que afligem a comunidade.

Em 2013, veio a decisão mais radical. Ao saber que 84 blogueiros de Bangladesh estavam sob ameaça de morte feitas por extremistas islâmicos, Vosper veio a público declarar-se ateia.

Desde então, representantes da comunidade protestante acusam-na de distorcer a função da religião. Também questionam sua legitimidade como líder da chamada Igreja Unida do Canadá.

“Não esperava tamanho impacto, mas não me arrependo de nada do que disse. Tanto Deus quanto a religião são hoje usados por grupos privilegiados, interessados apenas em manter seu status opressor. Eu não quero fazer parte disso”, diz.

A tolerância como mandamento

Nascida em 1925, a Igreja Unida do Canadá resulta da junção de quatro correntes protestantes, incluindo a presbiteriana e a metodista. Conta com 2,5 milhões de seguidores, cerca de 7% da população total do país, e perde apenas para o catolicismo em número de fiéis.

Trata-se de uma doutrina reconhecida no país por suas posições progressistas. Admite, por exemplo, pastores homens e mulheres. Na direção oposta às igrejas evangélicas brasileiras, possui líderes declaradamente homossexuais e a união entre casais gays é aceita desde os anos 80.

Mas, ao acreditar no ambiente de total tolerância de ideias da instituição, Gretta talvez tenha ido longe demais.

Instaurado em 2015, o processo de avaliação vai decidir até o próximo mês se ela pode permanecer como membro da entidade. Será uma batalha desgastante, em que 40 membros da Igreja Unida vão interrogá-la e julgar seus conceitos sobre Deus.

Trata-se de um procedimento raríssimo na instituição, que só acontece quando algum de seus membros é alvo de graves acusações.

“O objetivo é investigar a situação, já que os conceitos defendidos por Vosper são alvo de preocupação por parte de nossos membros”, diz o reverendo David Allen, secretário-executivo responsável pela região de Toronto.

 

BBC Brasil

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