No final da tarde desta segunda-feira, 12, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN) emitiu parecer favorável à transferência do ex-presidente da Câmara dos Deputados Henrique Eduardo Alves para Brasília, conforme solicitado pelo juiz da 10ª Vara Federal do Distrito Federal. No entender do MPF, a custódia de presos em quartéis somente deve ser adotada “quando inexistir outra unidade que possa cumprir as exigências legais”. O deputado está atualmente custodiado na Academia de Polícia da PM/RN.
No caso de Henrique Alves, o parecer reforça que “a unidade prisional de Brasília é, dentre as duas opções possíveis, a mais indicada a garantir os direitos e deveres do preso”, lembrando que os relatos quanto às atuais condições de custódia do também ex-ministro apontam sua permanência em sala com ar-condicionado, acesso a mídias proibidas e visitas permanentes, “além de outras regalias incompatíveis com o regime de prisão cautelar”.
O documento destaca que manifestações anteriores do Comando da Polícia Militar do RN já informaram que os quartéis não apresentam as condições adequadas à custódia de presos civis. Na Academia da PM não há sequer fornecimento de alimentação a custodiados. “Ele, então, pelo menos pelo que se noticia, tem solicitado refeições em restaurantes de Natal, o que configura regalia inconcebível para uma pessoa submetida à prisão preventiva”, reforça o parecer.
O MPF também questiona a ausência de um controle rigoroso sobre visitas e contatos, “fato que destoa da própria finalidade da custódia cautelar, que é o de cortar vínculos do preso com o meio político e empresarial criminoso em que vivia”. Nessas circunstâncias, avalia que é “plenamente razoável” a transferência para Brasília, onde há um sistema penitenciário melhor preparado para recebê-lo. “De resto, lá já tramita ação penal contra ele, com a realização de audiências às quais inclusive ele ressaltou, em audiência de custódia, que fez questão de comparecer pessoalmente”, acrescentam os representantes do MPF.
Argumentos – O MPF cita diversas jurisprudências ressaltando que o direito do preso de permanecer próximo à sua família não se trata de algo absoluto, podendo ceder diante de necessidades da administração penitenciária, como no caso de Henrique Alves. “Quanto à alegação de que a transferência traria custos ao Estado, trata-se de argumento curioso, em especial quando parte de quem é investigado – e até mesmo já acusado – exatamente, por desviar recursos e receber milhões de reais em propina”.
O parecer lembra ainda que o próprio Henrique Alves, em meados de 2013, “não viu prejuízo algum ao erário na utilização de avião da Força Aérea Brasileira para transportar a ele e à sua família para um jogo da Seleção Brasileira no Rio de Janeiro” e conclui que a atual situação é “ilustrativa do prejuízo concreto que anos de descaso com o sistema prisional do próprio Estado de origem, por parte de políticos, podem causar em desfavor deles próprios, em algum dia futuro”.
Histórico – Os pedidos de prisão preventiva de Henrique Alves e Eduardo Cunha (que já se encontrava preso no Paraná) foram cumpridos pela Polícia Federal no dia 6 de junho, dentro da Operação Manus. Os dois foram acusados de receber propina em troca do favorecimento de empreiteiras. Na mesma data, foram expedidos mandados de prisão preventiva contra os mesmos envolvidos, pela 10ª Vara Federal do Distrito Federal, dentro das operações Cui Bono e Sepsis.
O MPF relata que, no dia da prisão, na audiência de custódia, Henrique Alves “apresentou certidão da OAB/RN segundo a qual ostentaria a condição de advogado. O órgão ministerial estranhou o fato, pois consulta realizada ao Cadastro Nacional de Advogados – CNA da OAB não apontava nenhum registro de Henrique Eduardo Lyra Alves”.
A OAB/RN esclareceu que Henrique Alves é, de fato, advogado, mas se encontrava em atraso quanto ao pagamento da anuidade, somente vindo a quitar a dívida no último dia 7, já após se encontrar preso. “O pagamento em atraso objetivou apenas assegurar-lhe a condição meramente formal de advogado – já que Henrique Eduardo Lyra Alves na realidade nunca advogou – e o direito à prisão especial prevista no art. 6º, inciso V, da Lei n. 8.906/1994”, observa o parecer.
Cela especial – No mesmo dia 7 de junho, o Ministério Público Federal expediu ofício à Secretaria de Justiça e Cidadania do RN requisitando, com urgência, informações sobre a existência de celas capazes de receber advogados presos no sistema penitenciário potiguar. Porém, até a elaboração do parecer não havia sido enviada qualquer resposta.
Entretanto, um pedido formulado por outro investigado preso na operação, Carlos Frederico Queiroz, obteve como resposta a informação de que, em razão da situação caótica do sistema prisional do Rio Grande do Norte, com vários episódios de rebelião e destruição, “não existem unidades com celas para presos com formação de nível superior”.
Diante da falta de estrutura, no Rio Grande do Norte, os presos com diploma de curso superior e advogados estão sendo custodiados em quartéis da Polícia Militar. “No entanto, essa solução deve ser adotada apenas como última opção, somente se for estritamente necessária, não havendo outra alternativa. Isso porque tais unidades não foram concebidas para abrigar presos”, indica o MPF.
Caso anterior – Em outra ação penal (0003785-23.2014.4.05.8400), após deferido o pedido de prisão especial dos réus – cinco sírios presos no aeroporto de Natal -, o Comando Geral de Polícia Militar do RN, com fundamento em recomendação do Ministério Público Estadual, afirmou que aquela unidade policial não detinha estrutura física nem de pessoal para guarnecer presos.
Um trecho do ofício da PM destaca que “(…) no nosso entendimento, em momento algum houve assertiva de que existissem condições de pessoal ou estrutural de receber os mesmos presos nas dependências do QCG. (…) Além de todos os argumentos supra destacados, vimos ainda informar que esse QCG não dispõe de alimentação (rancho), já que naturalmente os presos deverão ser alimentados onde quer que sejam, o que traria outro problema de ordem logística da PMRN”.
Em outro trecho, a Polícia Militar acrescenta: “Ressaltamos ainda que inexiste, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer dispositivo que possibilite ao preso civil permanecer custodiado em Quarteis Militares, uma vez que fere a Constituição Federal – sobretudo o art. 37 e 144 § 5º -, implicando em desvio de função das atividades constitucionais inerentes aos policiais militares”. Diante desses argumentos, a Justiça Federal acolheu a manifestação do Comando da PM e negou a transferência dos réus para aquela unidade.
Confira a íntegra do parecer do MPF.