
Com o tempo chuvoso, redobram-se os cuidados para evitar acidentes com animais peçonhentos, como serpentes e escorpiões, animais cuja picada injeta veneno que produz nas vítimas não só efeitos locais, que incluem dor, edema, hemorragia local e até necrose, como também efeitos sistêmicos, que incluem choque, distúrbios na coagulação sanguínea, alterações cardiovasculares e hematúria.
Cientista com larga atuação na área, Matheus de Freitas Fernandes Pedrosa explica que a principal forma de combate é o soro antiveneno, amplamente disseminado na prática médica. Contudo, por sua natureza, o produto apresenta algumas limitações, tais como incapacidade de reverter efeitos locais, eficiência somente até determinado tempo após a picada, risco de reações imunológicas, difícil armazenamento e custo elevado. Pensando nisso, o cientista coordenou uma pesquisa que resultou em uma alternativa terapêutica para o tratamento de envenenamentos por animais peçonhentos.
“Sabemos de limitações do soro antiofídico quanto aos efeitos no local da picada, o que é um fato preocupante, uma vez que a falta de controle da progressão dos efeitos locais descritos pode resultar em sequelas permanentes, incluindo até amputações. Por causa disso, investimos esforços no desenvolvimento de formulações semissólidas – géis – com o objetivo de aplicar o produto diretamente no local da picada – o que acreditamos poder ser uma alternativa mais acessível e rápida de tratamento antiofídico que poderia, por exemplo, servir para que o paciente ganhe tempo até chegar ao centro de referência mais próximo – ou após a soroterapia como um complemento, para diminuir o risco de sequelas”, explicou o professor do Departamento de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
O ineditismo da nova tecnologia garantiu a concessão da carta-patente para a invenção no último dia 20 de julho, sob a denominação Processo de obtenção de extratos, frações, compostos isolados e composições farmacêuticas de plantas Jatropha gossypiifolia, Jatropha mollissima e Jatropha curcas e sua aplicação no tratamento de envenenamentos por animais peçonhentos. As espécies Jatropha citadas no título são popularmente conhecidas por pinhão-roxo, pinhão-bravo e pinhão-manso, respectivamente, e vêm sendo estudadas na UFRN pelos grupos do Laboratório de Tecnologia e Biotecnologia Farmacêutica (TecBioFar) e pelo Grupo de Pesquisa em Produtos Naturais Bioativos (PNBio) com relação aos seus efeitos inibitórios sobre os efeitos tóxicos de venenos de serpentes e escorpiões. Contudo, os estudos estão mais avançados contra venenos de serpentes do gênero Bothrops, as famosas jararacas, as quais, não por acaso, são responsáveis por cerca de 90% dos acidentes não só aqui no Brasil, mas na América Latina de uma forma geral.
Juliana Félix da Silva realça os efeitos promissores identificados contra os efeitos inflamatórios, hemorrágicos e miotóxicos das jararacas, com os extratos administrados por via oral. Atualmente professora substituta na Universidade, ela atuou na época em todas as etapas do trabalho, tanto atividades farmacológicas quanto etapas químicas. “A partir de modelos experimentais, observamos que o produto pode ser o que chamamos de um coquetel perfeito para a toxicidade local e sistêmica dos envenenamentos. Além disso, identificamos que, ao associarmos os géis que desenvolvemos com o soro antiofídico, a associação apresentou melhor eficácia inibitória dos efeitos locais do envenenamento do que o soro antiofídico sozinho na maioria dos modelos experimentais. Assim, é enorme o potencial dos nossos produtos, e torcemos para que esses géis que desenvolvemos possam se tornar, em um futuro próximo, após realização dos ensaios clínicos necessários, produtos fitoterápicos disponíveis para a população e que, com isso, possamos melhorar o quadro epidemiológico de acidentes por animais peçonhentos no nosso país”, avalia.

