A cooperação dos procuradores americanos com os brasileiros na Lava Jato permitiu aos países desenvolver laços de confiança e seguir com trabalho até hoje. Por isso, “não seria surpreendente se aparecesse outro caso” de corrupção no Brasil investigada pelos Estados Unidos. A frase é do procurador Daniel Kahn, chefe da área de investigação de corrupção fora dos EUA (FCPA, na sigla em inglês) no Departamento de Justiça Americano.
Kahn recebeu o Estado no seu gabinete, em um dos prédios do Departamento de Justiça dos EUA, o DoJ, em Washington.
Na entrevista, na qual ele adiantou que não poderia falar sobre casos em andamento, o americano classificou a parceria com os brasileiros como uma das mais fortes já firmadas com autoridades estrangeiras, elogiou o trabalho da Lava Jato e minimizou problemas no trabalho com o País.
Qual a sua percepção sobre as investigações de casos de corrupção no Brasil?
Em geral, esse tipo de investigação de corrupção é muito, muito difícil. E o fato de que os promotores brasileiros foram capazes de desvendar um esquema tão complexo e fazê-lo com ventos contrários políticos e indivíduos em níveis muito altos do governo envolvidos, eu acho incrivelmente impressionante. É algo que nós, como promotores nos EUA, acho que às vezes damos como certo e estamos muito, muito gratos pela oportunidade de trabalhar com os brasileiros. Tem sido uma das parcerias mais fortes que poderíamos ter com uma autoridade estrangeira.
O que funcionou bem e o que o sr. acha que ainda precisa melhorar essa cooperação entre os dois países?
Eu não quero entrar em muitos detalhes em termos do que funcionou bem e o que não funcionou, porque é claro que há questões delicadas de aplicação da lei. Mas há muito pouco que não está funcionando. A confiança entre nossos países é algo que se desenvolve trabalhando juntos pelo tempo que temos trabalhando juntos e vendo que ambos estamos trabalhando pelas razões certas. O que é útil no relacionamento, em termos de aspecto positivo, é: como temos um relacionamento bom e forte, podemos chamá-los e dizer se há evidências do que estamos procurando e vice-versa. O que geralmente isso permite é agilizar o processo de obtenção da prova do que se feita de uma maneira mais formal. O bom disso é que, se pudermos ter uma conversa antecipada, podemos começar reunir informalmente a coleta de provas e, em seguida, quando enviamos a solicitação formal, podemos encaminhá-la a um promotor específico no Brasil e eles podem encaminhá-la a um promotor específico aqui. Então, isso funciona muito bem. É difícil pensar em algo que não está funcionando, é mais fácil pensar em muitas das coisas que estão funcionando.
De 2014 para cá, houve algum momento em que a cooperação ficou atravancada? Algo mudou em uma das fases do processo de investigação?
Tem sido um relacionamento positivo bastante estável. Quer dizer, eu não posso apontar para um determinado momento e dizer “houve uma lombada aqui”, algo assim. Tem sido positivo, ano após ano desde que começamos.
Pergunto isso porque tivemos algumas mudanças no governo e também mudanças no comando da Procuradoria-Geral.
O lado positivo é que em nosso país os promotores são promotores de carreira, por isso não mudamos de governo para governo. Minha impressão é de que pelo menos os promotores com os quais estamos lidando permaneceram constantes durante o período. Assim, mesmo onde possa haver mudanças em certas posições de liderança, ainda mantemos o forte relacionamento com os promotores que estamos trabalhando nos casos do dia a dia.
Por que os EUA decidiram investigar os casos relacionados à Lava Jato que afetam principalmente o Brasil?
É uma ótima pergunta. Sempre que estamos analisando um caso, temos de determinar quais são os interesses dos EUA. Então, se olharmos para a própria Petrobrás, é uma empresa brasileira de petróleo, com funcionários brasileiros trabalhando para ela, que estava sendo usada para pagar várias autoridades brasileiras, mas a própria Petrobrás também é uma empresa de capital aberto nos EUA. Há vários acionistas americanos comprando ações da Petrobrás sob falsos pretextos e vítimas de fraudes que estavam sendo realizadas. Muitas empresas que estavam pagando propinas para a Petrobrás também eram empresas com sede nos Estados Unidos ou que atuavam nos EUA. Se você olhar para a Odebrecht, por exemplo, esse é um caso em que uma empresa brasileira está pagando propinas para funcionários da Petrobrás, bem como a outras autoridades no Brasil, mas também pagando propinas a funcionários de outros países. A Odebrecht utilizou os sistemas financeiros dos EUA e cometeu vários atos de corrupção dentro dos EUA. Certamente não achamos que nosso interesse tão forte como o do Brasil, mas ainda precisamos enviar uma mensagem forte de que você não pode usar o sistema bancário dos EUA , e você não pode vir para os EUA e continuar com o esquema corrupto de dentro dos Estados Unidos. Para enviar essa mensagem, nós coordenamos nossa conclusão com o Brasil e não ficamos com maior parte da multa, nem com a metade.Não podemos nos afastar completamente quando empresas ou indivíduos cometem crimes que violam a lei dos EUA, mas o que podemos fazer é tentar reconhecer as ações significativas de países como o Brasil.
Tivemos alguns casos em que há pedido dos investigadores do Brasil que não é cumprido nos EUA. Como lidar com situações em que o Brasil tem um interesse mas as autoridades americanas estão trabalhando de uma forma diferente? Isso prejudica a relação entre os países?
Posso dizer de maneira mais geral que, quando temos um país como o Brasil, com quem nos relacionamos, estaremos em comunicação bastante aberta com eles. Mas, certamente, se tivermos acusado alguém e essa pessoa estiver nos EUA, esperamos seguir com a acusação a menos que houvesse uma boa razão para essa pessoa ser enviada ao Brasil. No curso normal, as pessoas que estão no Brasil serão processadas no Brasil e as pessoas que estiverem nos EUA serão processadas nos EUA.
Como vocês decidem qual é o foco do departamento de investigações de corrupção estrangeiras?
Nós não miramos países específicos e geralmente não miramos setores específicos. Nós seguimos evidências, de modo que os casos podem surgir de várias formas. Eles podem entrar através de denúncias, de referências feitas por um país estrangeiro, para mencionar algumas formas. Quando o caso chega, determinamos se há ou não provas e jurisdição suficientes para prosseguir. Não é como se disséssemos”ok, então agora queremos nos voltar para todos os casos na América Latina ou para todos os casos na indústria do petróleo”. Pode parecer que sim, às vezes. Depois da Lava Jato, certamente há muito mais casos relacionados à América Latina e podemos ter uma situação de uma empresa revelar que estava pagando propina usando um certo intermediário e quatro outras empresas também estavam usando os mesmos intermediários corruptos, que pode se transformar em uma investigação sobre várias empresas desse setor.
Atualmente, qual o espaço que o Brasil tem nas investigações do Departamento de Justiça?
Posso dizer que ainda temos um relacionamento extraordinário com os promotores brasileiros e estamos trabalhando em vários casos em vários países e regiões. Não acho que seria surpreendente se aparecer outro caso envolvendo o Brasil. Mas além disso eu provavelmente não deveria dizer com qual país estamos trabalhando agora.
O Estado revelou que há uma empresa que forneceu informações ao DoJ sobre uma investigação relacionada ao caso dos Portos, que atinge o ex-presidente Michel Temer no Brasil. Vocês estão investigando algo relacionado a Temer?
Eu não posso responder isso. De um modo geral, não comentamos a existência ou não de qualquer investigação.
Informações: Estadão\Política