O Ministério Público do Rio Grande do Norte abriu uma investigação contra o movimento “Policias Antifascismo”, em que apura a suposta criação de um grupo paramilitar de viés político-ideológico no estado. Um relatório com informações de dezenas integrantes do grupo foi montado durante as apurações iniciais do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Em despacho, o promotor Wendell Beetoven Ribeiro Agra, que atua na 19ª Promotoria de Natal, responsável pelo controle externo da atividade policial, determinou investigação para descobrir “se a ‘Brigada Antifascista’ constitui, ou não, uma organização paramilitar ou milícia particular destinada a cometer qualquer crime previsto no Código Penal”. Para o movimento, a investigação tem motivação de viés político.
As investigações do Ministério Público do RN começaram em abril, mas só vieram a público agora, após ser divulgada a existência de um relatório produzido dentro do Ministério da Justiça com informações de aproximadamente 600 servidores públicos ligados a movimentos de oposição ao governo federal. Nesta terça (4), a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de 48 horas para o ministério explicar o relatório.
O Ministério Público do RN acompanhava a atuação das forças de segurança do estado sobre carreatas e manifestações realizadas no estado a favor do presidente Jair Bolsonaro, durante a pandemia do novo coronavírus, quando, na época, um decreto proibia eventos do tipo por causa das medidas de isolamento social. Porém, um vídeo do policial civil Pedro Paulo Chaves Mattos, apontado como líder dos Policiais Antifascismo no estado, contra as manifestações, também chegou ao MP e levou a promotor a determinar investigação sobre o grupo.
“Os conteúdos do vídeo e a sua descrição evidenciam a motivação claramente político-partidária do grupo que se apresenta como uma brigada, expressão que, no jargão militar, significa ‘força militar organizada’ ou ‘grande unidade militar, constituída de unidades de combate, de apoio ao combate e de apoio administrativo’ (Dicionário Houaiss). Demonstram ainda a intenção do grupo é de constranger, com amparo na autoridade dos cargos ocupados por seus integrantes (que seriam policiais, em sua maioria), pessoas que têm ideologias políticas diferentes, o que se configura em ato de inaceitável intolerância política, incompatível com o regime democrático brasileiro”, afirmou o promotor no despacho.
Em recomendação à Polícia Civil, o promotor determinou investigação e solicitou que a delegacia avaliasse a possibilidade de afastamento do policial civil.
“Meu objetivo não é político. Nunca foi. O que o MP, enquanto órgão controlador da atividade policial, não pode aceitar é a falta de neutralidade político-partidária das polícias, senão a função policial passa a ser utilizada em prol de uma ideologia e para autopromoção de agentes públicos armados. Em outras palavras: cria-se uma polícia política. E isso não é democrático nem lícito”, afirmou o promotor Wendell Beetoven.
“O policial, como pessoa física, fora do trabalho (sem exibir arma ou distintivo), pode ter e professar a ideologia política que quiser. Mas, no exercício da função, tem que agir com neutralidade e imparcialidade”, disse ele.
Investigação
Em um relatório do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, ao qual o G1 teve acesso, é possível ver fotos e informações como endereço, filiação e lotação de 23 policiais e bombeiros apontados como integrantes do grupo. Do total, 16 são servidores da segurança pública que estão lotados no gabinete civil da governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT). Outro é lotado no próprio Ministério Público.
“Como se observará ao longo do presente relatório, os policiais que integram o dito ‘movimento antifascista’ no Rio Grande do Norte não só utilizam-se da condição de agentes públicos – não se expressam como cidadãos, mas essencialmente como policiais – como também promovem, rotineiramente, atos de apreço e propaganda pelas redes sociais em favor de partidos políticos e seus integrantes, inclusive apologia de autor de crimes, condenado em segunda instância (o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva)”, diz o relatório. “Tais atos implicam em diversas infrações a deveres administrativos de servidores públicos, além de crimes”, pontua o relatório.
Movimento vê viés político
O grupo de policiais antifascismo afirma que a investigação tem viés político. “O que eu dizia no vídeo é que nós iriamos produzir imagens de aglomerações e outras situações irregulares das carreatas. Algo que qualquer cidadão pode fazer. Nós denunciamos as aglomerações que de fato existiram”, afirmou o agente da Polícia Civil Pedro Paulo Chaves Mattos, que atua há 8 anos na corporação. Ele afirmou que recebeu notificação do corregedoria da Polícia Civil sobre o assunto, mas ainda não foi chamado para prestar depoimento.
“Não existe não existe nenhum ato de crime. Qualquer cidadão, ao se deparar com ilícitos, deve informar as autoridades. Não agimos como policiais, mas como cidadãos”, continuou.
O policial ainda considerou que houve falta de “precaução” por parte do MP, ao tornar público informações pessoais, como endereços, de agentes de segurança que “denunciam” milícias, grupos de extermínio. “Falta zelo com a vida de pais de família”, pontuou. De acordo com o policial, o grupo conta com cerca de 100 agentes de segurança pública no estado e é suprapartidário. A maioria dos membro não está filiada a partidos políticos, mas há agentes ligados a partidos principalmente do viés de esquerda.
De acordo com ele, a pauta do movimento é ligada a mudança na forma como se faz segurança pública no brasil. “Defendemos, por exemplo, a desmilitarização, uma carreira única, uma mudança na cultura policial no país”, diz ele.
Em nota, o movimento afirmou que teme a criação de uma série de falsas notícias em torno do grupo. “Fazer referência ao Movimento Policiais Antifascismo como sendo paramiliar ou miliciano é um erro crasso e completa ignorância quanto à história de ação e de formação do movimento, inclusive em suas ideias. O próprio GAEGO, do MPRN, menciona no relatório que o Movimento Policiais Antifascismo não tem nenhum tipo de envolvimento com as operações já deflagradas no Estado que investigam atividade de milícia. E jamais encontrarão, pois o Movimento Policiais Antifascismo é anti-milícia”
“Apesar de termos regulamentos arcaicos que datam do tempo da ditadura, que impedem a filiação partidária de Operadores de Segurança Pública Estadual Militares, a estes são assegurados seus direitos políticos e sua liberdade de pensamento, como direito de cidadania. Por lei, um militar estadual não pode ter filiação partidária. No entanto, isso não impede de ele ter um posicionamento crítico sobre fatos políticos. É um direito constitucional a liberdade de pensamento. Os membros do Movimento não fazem uso de suas funções para a atividade política, contudo há um direito assistido a todo cidadão de ter uma filiação partidária e que isso não significa demérito algum”, diz a nota.