Mais de 530 mulheres foram mortas no estado potiguar entre os anos de 2015 e 2019. O quadro de violência contra vítimas do sexo feminino nesse período no estado é apontado pela publicação “Mortandade de mulheres: estudo comparativo da vitimização feminina por condutas violentas letais intencionais entre 2015 e 2019”, do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (OBVIO/RN).
Divulgado na última semana, a edição especial 14/Ano 3 da revista “Mortes Matadas de Mulheres” registra que 539 mulheres foram assassinadas no território potiguar no período analisado. O mapeamento revela que a maioria dos casos vitimou mulheres de cor de pele parda e negra: 405 ocorrências, ou seja, 75,14%. Em seguida, figuram mulheres brancas, com 132 registros ou 24,49%. Outros dois casos ou 0,37% foram dados como cor de pele “ignorada”.
O levantamento mostra também a predominância de vítimas entre 35 e 64 anos de idade. Essa faixa etária vitimizada pela violência contra a mulher fez 152 vítimas, o que corresponde a 28,2% do total de ocorrências. Em seguida, aparecem vítimas entre 18 e 24 anos de idade; de 25 a 29 anos; de 12 a 17; de 30 a 34 anos; de 65 ou mais; e de 0 a 11 como a faixa etária com menor número de casos de mulheres mortas no período.
Quanto ao estado civil das vítimas, mulheres solteiras lideram as ocorrências, com 346 casos ou 64,19% das notificações. Em relação à escolaridade, a maioria das mulheres vítimas da chamada violência de gênero possuíam o ensino fundamental. Esse perfil predomina em 46,75% dos registros. Apenas 3,15% são listadas com formação de ensino superior. Outro aspecto revelado pelo mapeamento é de que 42,86% das vítimas não tinham atividade remunerada e outras 37,48% tinham até dois salários mínimos.
Violência doméstica
Os dados da publicação apontam que a mortandade de mulheres em estudo comparativo da vitimização feminina por condutas violentas letais intencionais entre 2015 e 2019” do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (OBVIO/RN). De acordo com o levantamento, a maioria das mortes foi registrada dentro da própria residência. O espaço aparece em 141 do total de casos, ou seja, 26,16%. O segundo local com mais ocorrências desse tipo de crime é vias públicas: 124 ou 23,01%. Em seguida, aparecem hospitais e prontos socorros, interior de edificações, terrenos baldios, bares e festas, estradas carroçáveis, frente à residência, equipamentos públicos e povoados e sítios.
Quanto aos dez municípios potiguares com o maior número de ocorrências, Natal e Mossoró lideram com, respectivamente, 23,56% e 12,06, ou seja, 127 e 65 casos. A publicação de 30 páginas detalha ainda que do total de crimes, 325 se caracterizam como homicídios dolosos, 141 como feminicídios, 33 como latrocínios, 32 como lesão corporal seguida de morte e oito mortes de mulheres no período resultantes de intervenção policial.
Além disso, o estudo revela também que 403 mulheres foram mortas com uso de arma de fogo; 60 por arma branca; 32 por asfixia; 15 por objeto contundente; e 14 por espancamento. Sobre a natureza comportamental da agressão, o levantamento define que a maioria dos casos se caracteriza como execução sumária: 25,60%. Outros 19,67% foram de crime passional; e 10,02% de violência interpessoal. O restante é de violência patrimonial e tráfico, dentre outros.
Sobre o estudo
O levantamento consiste em recortes contendo a vitimização de mulheres em decorrência de condutas letais intencionais entre os anos de 2015 a 2019, período de vigência da lei Maria da Penha, resultantes de feminicídio, que são as chamadas mortes matadas de mulheres em razão da condição de mulher, ou seja, em derivação de violência doméstica e de gênero; e de femicídio para todos os outros homicídios dolosos de mulheres, como latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e os homicídios dolosos propriamente ditos, e ainda, as mortes decorrentes de intervenção policial. O estudo divulgado após o fim da campanha nacional “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres” foi produzido pelo Obvio em colaboração com Governo do Estado; Ministério Público do RN; Secretaria de Segurança; Secretaria de Mulheres; Conselho de Segurança da OAB/RN; Conselho de Direitos Humanos; e Coordenadoria de Análises Criminais.
Defesa da Mulher no RN
As ações de combate à violência contra a mulher devem levar em conta a motivação e local do crime. É o que defende a promotora de justiça de Defesa da Mulher no RN e professora universitária Érica Canuto, em texto publicado no estudo do Obvio “Mortandade de mulheres: estudo comparativo da vitimização feminina por condutas violentas letais intencionais entre 2015 e 2019”.
Para a promotora, a chamada violência de gênero, à qual mulheres do país inteiro estão vulneráveis, se diferencia da violência urbana em dois aspectos principais: a motivação e o local onde acontece. “Violência motivada por questões de gênero significa que as desigualdades construídas histórica e culturalmente se apresentam como fundamento da violência contra as mulheres”, avalia Érica Canuto.
“Quanto mais desigual, em questão de gênero, maior a violência de gênero contra as mulheres. A cultura machista, hierarquizada, com hegemonia do poder do homem, manutenção de estereótipos de masculinidade e discriminação em relação às mulheres e meninas se constitui na principal motivação da violência de gênero contra mulheres. Essa violência está nos lares e nas instâncias de poder. Não há uma instituição que não sofra seus efeitos”, analisa.
“A família, a Igreja, o Estado, as instituições de maneira geral, chancelam e naturalizam o comportamento viril e agressivo do homem, alimentando a violência de gênero, que faz do Brasil o 5° país no mundo que mais mata mulheres em razão do gênero, ou seja, pelo fato de serem mulheres”, complementa a promotora, pontuando que o local em que acontece a violência de gênero contra mulheres, especialmente o feminicídio deve ser um indicador de que as políticas públicas que se utilizam para combater a criminalidade urbana não servem para enfrentar a violência de gênero contra mulheres.
“As estratégias devem ser outras porque a motivação e o local em que acontecem são outros. Compreender o feminicídio como um continuum da violência, como a última instância de controle da vida de uma mulher, certamente é importante para enfrentar essa forma peculiar de violência contra mulheres. ‘Se você não for minha, não vai ser de mais ninguém’ é a expressão mais dita nos processos de violência doméstica e familiar contra a mulher por parceiros conjugais que não se conformam com fim do relacionamento”, assevera.
“Esses que teimam em aceitar a liberdade da mulher na escolha em relacionar-se. Toda violência importa. Uma mulher vítima de qualquer forma de violência tem oito vezes mais risco de ser vítima de feminicídio do que uma que nunca sofreu violência, segundo o Ministério da Saúde. A pesquisa de dados publicados na presente edição Obvium Especial 14: Mortes Matadas de Mulheres, onde temos um estudo comparativo da vitimização feminina em condutas letais intencionais de 2015 a 2019 é um importante instrumento para elaboração de políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero contra mulheres e para estudos e pesquisas sobre o tema, nas mais diversas áreas de conhecimento”, finaliza.