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“Lambendo as feridas”: A rotina melancólica de um presidente após o afastamento

 Collor procura livro na estante do pai - 29-11-1992 / Orlando Brito

Collor procura livro na estante do pai – 29-11-1992 / Orlando Brito

Na manhã do dia 2 de outubro de 1992, após 20 meses de um governo que sacudira o país, o casal Fernando e Rosane Collor, de mãos dadas e olhar altivo, se despediu do Planalto pela porta dos fundos. Na véspera, o Senado aprovara a admissibilidade do impeachment do presidente. Assim que o helicóptero decolou, quando sobrevoava o Lago Paranoá em direção à Casa da Dinda, o presidente afastado ordenou ao major comandante que desviasse o voo para que pudesse observar uma escola de tempo integral que construíra na Vila Paranoá e que era seu orgulho. Queria se despedir com a imagem do Centro Integrado de Atendimento à Criança (CIAC). O militar, então, disse-lhe:

— Excelência, sinto muito, mas o combustível e o plano de voo que temos só nos permitem ir até o destino previsto, a Casa da Dinda.

Fernando Collor não disse coisa alguma. Mas, segundo auxiliares, ao ouvir a negativa do major, percebeu que não comandava mais nada e que jamais voltaria ao Planalto. Estava certo. Sessenta dias depois, em 2 de dezembro, o plenário do Senado aprovou o parecer da comissão especial pela procedência da acusação.

RARAS VISITAS PARA UM CAFÉ

No dia 29 de dezembro, mesmo com uma carta de renúncia lida durante a sessão, o julgamento prosseguiu, e os direitos políticos de Collor foram cassados em votação nominal, no plenário do Senado, em sessão presidida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Sidney Sanches.

Durante esse prazo de menos de três meses entre a admissibilidade e o julgamento final no Senado, Collor e Rosane atravessaram um calvário. Isolado na Casa da Dinda, magro e deprimido, Collor se apegou à religiosidade, incluindo a realização de rituais de umbanda, na esperança de voltar ao Planalto.

O então presidente afastado, ao contrário da guerra jurídica capitaneada hoje pelo PT e aliados da presidente Dilma Rousseff, não bateu de frente contra o processo na Câmara ou no Senado. Inconformado com o afastamento, tentou, sem sucesso, manter a rotina de despachos como na Presidência da República. Aproveitou parte da estrutura da biblioteca do pai, Arnon de Mello, do outro lado da rua da Casa da Dinda, e adaptou o que ficou conhecido como “Planaltinho”.

Na tentativa de reverter a cassação, além de rezar na capela com imagens do milagreiro Frei Damião, um dos gurus durante sua campanha e mandato, Collor e Rosane participavam de rituais de magia negra no porão da Casa da Dinda, como ela revelaria anos depois em entrevista ao “Fantástico”.

Conta-se que no período de “freezer”, fora da Presidência, toda vez que alguém ligava e perguntava o tradicional “como vai?”; A resposta de Collor era sempre a mesma:

— Aqui, meu caro, lambendo as minhas feridas!

Reportagem: (MARIA LIMA/ O Globo)

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