Jornalistas do maior e mais antigo jornal do Paraná, a Gazeta do Povo, são alvos de ao menos 37 processos judiciais movidos de abril até agora por magistrados e dois promotores do Ministério Público do Estado após terem publicado um especial sobre os salários que juízes e promotores locais receberam neste ano e que, na prática, superavam o teto constitucional do funcionalismo público, atualmente de R$ 39 mil.
Ao todo, as ações somadas pedem indenização de cerca de R$ 1,3 milhão do jornal, dos três repórteres, um analista de sistemas e um infografista que realizaram o especial de reportagens publicado em três dias seguidos no mês de fevereiro. Na prática, mais do que pedir uma retratação na Justiça, os magistrados do Estado estão impossibilitando o trabalho dos jornalistas e prejudicando o próprio veículo, pois as ações foram movidas em Juizados Especiais, cujo valor máximo das ações é de 40 salários mínimos, em várias cidades do Estado, o que obriga todos os cinco a comparecem às audiências.
Até agora o grupo já percorreu 6,3 mil quilômetros para comparecer a 19 audiências em 15 municípios do Estado e, caso não surja nenhuma ação ou audiência nova, eles ainda tem que comparecer a mais 15 compromissos com a Justiça do Estado. ” Estou fazendo só pauta do dia, não tenho mais cinco dias para trabalhar”, lamenta o repórter Francisco Botelho Marés de Souza, um dos alvos das ações judiciais.
Nas matérias, eles apontaram, dentre outros fatos, que os supersalários do TJPR e do MPPR superaram o teto constitucional em 20% em 2015 e que, naquele ano, o gasto médio por juiz foi de R$ 527 mil/ano e por promotor do MP Estadual R$ 507 mil/ano.
Além disso, um áudio vazado na internet do presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) Francisco Mendes Júnior reforça a suspeita de uma ação coordenada dos magistrados paranaenses. “Já estamos providenciando um modelo de ação individual feito a muitas mãos por vários colegas e com viabilidade de êxito para que cada na medida do possível, possa ingressar com essa ação individual caso considere conveniente”, diz o magistrado em mensagem gravada no aplicativo Whatsapp e tornada pública por um repórter local.
Para o diretor de redação do jornal, Leonardo Mendes Junior, a iniciativa dos magistrados do Estado é um atentado à liberdade de imprensa. “Infelizmente um grupo de magistrados não teve a sensibilidade de perceber a relevância do tema (salários do Judiciário) e também não estão tendo a sensibilidade de perceber que o que eles estão fazendo de maneira claramente orquestrada é um atentado gravíssimo à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa”, disse.
Diante disso, a Gazeta do Povo acionou o Supremo Tribunal Federal afirmando que os magistrados do Estado, todos citados na reportagem da Gazeta, deveriam ser impedidos de julgar as ações por, supostamente, não terem imparcialidade. A liminar foi rejeitada pela ministra Rosa Weber, que ainda não analisou o mérito da questão. Após a decisão do Supremo,em uma audiência no dia 25 de maio em Curitiba, o juiz Walter Ligeiri Júnior afirmou à equipe da Gazeta do Povo que responde às ações que “depois dessa decisão do Supremo vocês vão viajar muito o Paraná” e insinuou que haveriam cerca de mais 200 ações. A afirmação foi gravada pelos próprios repórteres do veículo. Ao todo, o TJPR conta com mais de 800 magistrados.
Em nota à imprensa, a Associação dos Magistrados do Paraná afirma que a matéria da Gazeta possui “conteúdo ofensivo” aos juízes por, supostamente, induzir os leitores a pensar que eles estariam cometendo alguma irregularidade ao receber os vencimentos que, permitidos pela lei, na prática estouram o valor de R$ 39 mil estabelecido como teto constitucional devido a benefícios, vantagens e outras verbas compensatórias incluidas nos holerites dos juízes.
“Percebeu-se que, em razão da replicação das reportagens, magistrados de todo Estado passaram a experimentar algum tipo de dissabor ou constrangimento, a exemplo da indagação de populares sobre os supersalários”, diz o texto da entidade.A Amapar ainda nega que os juízes estejam atuando de maneira coordenada e aponta que as ações são um direito constitucional dos citados na reportagem. “Tanto não há ação coordenada pela Amapar que se tem notícia de várias ações ajuizadas por magistrados não associados”, segue o texto.
A Associação Paranaense do Ministério Público também afirma que os promotores tem o direito de entrar com ações por danos morais e que elas “não representam, em hipótese alguma, tentativa de ferir o direito de informação, nem buscam atacar a liberdade de imprensa, reconhecida como um dos pilares do Estado de direito democrático”, diz a entidade em nota.
Além disso, no dia 31 de maio a juíza Suzie Caproni Ferreira Fortes, de Maringá, onde o jornal e a equipe também foram processados, apontou que a questão envolve vários de seus colegas magistrados e se declarou impedida de julgar o caso. “Fato é que todas as reportagens mencionadas na inicial foram objeto de diversos comentários e debates entre juízes deste Estado, de modo que tomou conhecimento do interesse de diversos colegas quanto ao ajuizamento de demandas judiciais visando à reparação de danos, tendo acesso a subsídios e orientações para tanto”, apontou a magistrada na decisão.
As ações movidas pelas magistrados paranaenses geraram ainda notas de repúdio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Associação Nacional de Jornais (ANJ) condenando a intimidação dos juízes contra os jornalistas.
Estadão