A despedida de Joanna Maranhão dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro se transformou num grande desabafo da atleta. Após ficar de fora da semifinal dos 200m borboleta, a nadadora se emocionou na zona mista e soltou o verbo contra a pressão que os atletas brasileiros sofrem por resultados e as críticas raivosas feitas por pessoas através das redes sociais. Joanna disse que nos últimos dias foi xingada e ouviu ofensas de pessoas que diziam desejar que ela fosse estuprada novamente. Por fim, a nadadora falou que o o Brasil é um país homofóbico, machista, racista e xenófobo.
Joanna ainda citou a história da judoca Rafaela Silva, que nesta segunda-feira ganhou o ouro na categoria até 57kg. Em Londres-2012, Rafaela foi alvo de comentários racistas de alguns brasileiros após perder a sua segunda luta para a húngara Hedvig Karakas por ter aplicado um golpe ilegal. Hoje ela é considerada uma heroína nacional.
– Eu lembro quando a galera esculachou com ela (Rafaela). Chamando de “macaco”. E agora, quatro anos depois, ela se torna heroína. Mas ela já era uma heroína. Desde o momento que ele pegou a oportunidade de fazer judô. Do jeito dela. Que ela disse “treino pouco, vou lá e resolvo”. Essa é a personalidade dela. Já ganhou e já perdeu e vai continuar assim. Eu não subi no bloco para piorar meu tempo. Kitadai não entrou no tatame pra perder medalha. A Sarah não subiu no tatame pra não ganhar medalha. A Érika não medalhou o ciclo olímpico inteiro e mundial e foi tão constante pra perder a medalha e ficar em quinto – disse Joanna, citando ainda outros atletas brasileiros que não atingiram seus objetivos no Rio-2016.
– O Cielo não escolheu ficar de fora dos Jogos Olímpicos, o 4×100 livre do Brasil não ficou em quinto porque fez corpo mole. A gente dá duro todo dia. Mas o Brasil é país machista, racista, homofóbico e xenófobo. Não estou generalizando. Mas essas pessoas existem. Infelizmente. Aí quando elas estão em frente a um computador elas se sentem no direito de dizer essas coisas. Todo mundo tem o direito de discordar dos meus posicionamentos políticos. Mas a minha formação faz com que eu me posicione. E eu não vou parar. Mas desejar que eu seja estuprada. Desejar que a minha mãe morra, comemorar porque eu não peguei uma semifinal por cinco centésimos, acho isso covardia. Falta de caráter. E isso não se faz com ninguém – completou.
Em 2008, Joanna revelou que havia sido abusada sexualmente por um ex-treinador no início da carreira. Depois disso, foi aprovada uma lei federal que leva seu nome que altera as regras sobre a prescrição do crime de pedofilia e estupro praticados contra crianças e adolescentes.
Antes do desabafo, Joanna postou uma mensagem em sua conta no Facebook avisando que iria processar todos os que a xingaram. E que o dinheiro seria revertido para entidades que combatem a pedofilia.
– Quando entrei na minha fan page eu não sabia que a coisa estava tão pesada. Eu não sou uma super mulher. Então a coisa mexeu comigo, óbvio. Eu demorei para dormir e quando acordei fiquei pensando muito sobre isso.
Joanna não conseguiu pegar uma semifinal nas três provas que disputou no Rio. Mas não usou os problemas enfrentados como desculpa para os seus resultados.
– Não acho que tenha feito efeito. Nadei mal e ponto final. A culpa é minha. Travei no final. Não estou usando isso para justificar. Todo mundo já passou por decepção na vida. Eu já ganhei por cinco centésimos, já perdi por cinco centésimos. Já pensei em tirar minha própria vida. Lutei pra caramba. Conquistei quatro vezes o índice olímpico pra estar aqui. Sou a melhor atleta do Brasil em provas de medley desde os meus 14 anos. Não preciso que isso tenha valor para os outros. Preciso que tenha valor para mim. Não é que esse tipo de mensagem vá me fazer parar de nadar ou desistir. Mas machuca. As pessoas não merecem (ouvir isso). Como a Rafaela não merecia ter escutado o que escutou há quatro anos. A Sarah não merece… Lembro que o Leandro Guilheiro teve um ciclo olímpico brilhante antes de Londres, aí quando ele não ganhou a medalha começaram a chamá-lo de “Leandro Pipoqueiro”. Um cara que é campeão mundial júnior, tem duas medalhas em Mundiais, duas mealhas em Jogos Olímpicos, que tira golpe dos dois lados ser chamado assim.
Joanna voltou a citar outros atletas que não atingiram seus objetivos na Ollimpíada e pediu mais respeito a eles como seres humanos.
– A gente tem que ter um pouco mais de respeito e empatia pelo ser humano. Desejar que eu seja estuprada? Sério? Porque não apoio político “x” ou “y”… Falar que eu inventei a história da minha infância (sobre o estupro) pra estar na mídia. Isso é muito pesado. Recebo tantas mensagens bonitas e pesadas de crianças, mulheres e homens que passaram pela mesma situação que eu e dizem: “Joana, eu entendo quando você sobre no bloco sorrindo. Eu entendo o valor disso”. Então, como alguém pode imaginar que seria capaz de inventar um abuso para estar na mídia? Que tipo de mídia é essa que eu quero estar? Minha mãe até hoje tem que sentar de frente para o cara que fez o que fez comigo, escutar ele falar que não fez. Será que eu ia escolher minha mãe passar por isso? Que tipo de ser humano monstro seria eu? Estou fazendo um apelo. Ninguém tem obrigação de gostar de mim. Mas me respeite. Eu aguento porque não tive outra opção na minha vida. Se eu não aguentasse, teria sucumbido à depressão.
O Globo