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‘Foi tortura digital’, diz deputada que teve fotos de filha vazadas na Web

Na mesma semana que via ser aprovado na Câmara Federal projeto de sua autoria que protege crianças ao serem ouvidas como vítimas ou testemunhas de crime, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) viveu o drama dentro de casa.

A parlamentar acompanhou a filha, Maria Laura Pacheco, 16, à Delegacia da Infância de Porto Alegre para denunciar o vazamento de fotos e a difusão de legendas falsas que rotulavam a adolescente como usuária de drogas e doente terminal.

Na vida real e nas redes sociais

MARIA LAURA PACHECO, 16, DENUNCIOU  O VAZAMENTO DE FOTOS E A DIFUSÃO DE LEGENDAS FALSAS QUE A ROTULAVAM COMO USUÁRIA DE DROGAS E DOENTE TERMINAL

Desde os primeiros posts em 21 de fevereiro, a deputada, que também é ex-ministra dos Direitos Humanos, acionou a Polícia Federal e o Ministério Público em busca da identificação e punição dos criminosos que, segundo ela, espalham ódio na internet e usaram sua filha adolescente para atingi-la.

“Continuo buscando Justiça”, afirma, em entrevista exclusiva à Folha. “Que sejam identificados e responsabilizados aqueles que colocaram as imagens da minha filha nas redes sociais e manipularam a história dela. É algo que vai ficar marcado para sempre na vida da Laura. Como mãe, não posso desistir de protegê-la.”

“Naquela tarde, eu estava no plenário da Câmara dos Deputados acompanhando uma sessão marcada por uma grande emoção. Tinha acabado de ser aprovado projeto de lei de minha autoria que trata como crianças vítimas de violência devem ser ouvidas para não serem revitimizadas.

Foi quando meus assessores me levaram até o gabinete para me mostrar as imagens da minha filha vazadas nas redes sociais. Meu primeiro pensamento foi ligar para Laura e dizer: ‘Estamos juntas. Tu não cometeu nenhum crime. Isto é um crime contra ti’.

Sei que nos casos de violência contra mulheres e meninas, as vítimas é que se sentem mal. Invertem o papel.

Minha filha mora em Porto Alegre. Fica com o pai durante a semana, enquanto eu estou em Brasília. Não consegui passagem naquela noite e só embarquei pela manhã. Ficamos o tempo todo falando pelo telefone.

Eu me senti muito mal, pois usaram a minha filha para me atingir. Aquelas legendas falsas e mentirosas foram feitas e divulgadas com intenção política de dizer que eu não sou uma boa mãe.

Foi mais uma violência, além de todas as palavras ruins e o ódio nas rede sociais e dentro do próprio Congresso contra mim. De tudo que passei na vida, foi o pior ataque que sofri.

MENTIRAS E VERDADES

A única coisa que me tranquiliza é que minha filha não é aquela menina descrita naquelas legendas ou apresentada nas imagens. Ela está bem, não tem Aids nem é soropositiva. Não é uma pessoa que utilize drogas pesadas, nem vive aquele contexto [descrito em legendas em sites como Faca na Caveira, entre outros].

Saber que é tudo mentira me dá muita raiva, mas se fosse verdade ela também deveria ter sido protegida [dos ataques].

Se uma filha minha estivesse naquela condição, tentando cometer suicídio ou internada, o que repito não é verdade, não poderiam dizer isso de uma adolescente que deveria ser ainda mais protegida. Até para garantir que ela fosse tratada.

Só o que me conforta é minha filha não estar doente. Laura tem 16 anos, é muito criativa. Tem um jeito peculiar de se vestir, de se ver. É uma menina muito interessante neste sentido. Charmosa. Ela escreve muito bem e fez um texto sobre o episódio.

‘Eu não entendia como alguém se achava capaz de julgar uma relação de mãe e filha se baseando em meia dúzia de fotos do Instagram… O ponto é que essa gente não sabe nada da nossa vida. Sabem nossos nomes e se acham no direito de invadir a privacidade de uma família’, escreveu ela em um post no Facebook, em que concluiu dizendo que tinha orgulho de ser minha filha.

Laura também me disse: ‘Mãe, tu sempre me protegeu e evitou me mostrar em público, mas agora eu tenho que aparecer para mostrar que estou bem’. Ela quer que as pessoas vejam que está legal.

Aquelas fotos tiradas do Instagram dela não são atuais. Laura já teve um distúrbio alimentar, sempre foi muito magra. Houve momento em que nos preocupamos muito com a drástica e rápida perda de peso, o que gerou atenção especial. Com acompanhamento, o problema de baixo peso foi superado.

Hoje, o problema mais grave da minha filha é o carimbo que tentaram colocar nela. Em uma foto, ela aparece com um machucado no pé, uma picada de aranha numa excursão de colégio. Na legenda criminosa aquilo virou sequelas por uso de drogas pesadas. Ela recebeu flores? Estava hospital, escreveram na foto.

Aquela imagens foram tiradas do Instagram dela, que hoje é fechado. Foram postadas nos Estados Unidos. A Polícia Federal está rastreando. Pedimos a retirada das imagens. No entanto, elas estão disseminadas na internet.

A exposição pública de uma adolescente é um agravante. Laura está conseguindo construir uma armadura bem forte, compreendendo que isto foi uma violência contra ela e contra mim por defender direitos das mulheres, das meninas.

Um ataque pelo fato de eu ser uma mulher atuando em um mundo masculino e que está processando um parlamentar [Jair Bolsonaro (PSC-RJ)] que me agrediu no plenário e que tem consigo uma rede de ódio.

Tenho acompanhado Laura nos depoimentos à Delegacia da Infância. A delegada quer rastrear outros ataques que ela tem sofrido. Minha filha recebeu ameaças anônimas de morte e estupro.

Neste momento de vulnerabilidade, tenho estado ao lado dela. Tirei licença e fiquei dez dias direto com ela. Vim para casa botar minha menina no colo. Foi o pior momento de todos esses 24 anos de mandato parlamentar. Eu adoeci, foi Laura quem me incentivou a voltar a trabalhar. Filho também coloca a gente no colo.

REDES SOCIAIS

Muitas vezes, eu me pergunto qual foi a razão de a minha filha colocar aquelas imagens nas redes sociais. Mas é o mundo, ela não pode ser criminalizada nem atacada por isso. As pessoas são chamadas a viver tudo nas redes sociais, a contar do momento em que acordaram até quando vão dormir.

Como legisladores, temos de estabelecer regras sobre o uso destas informações. Não se pode culpar o jovem pela manipulação e pelo uso indevido. Mesmo que ela tivesse feito uma bobagem – e não é o caso -, eu jamais ficaria contra ela.

Lógico que ela mereceu uma reprimenda minha por ter postado fotos que não deveria, mas Laura é como qualquer outra adolescente postando foto na internet. Eles [quem vazou as imagens] é que são criminosos.

Depois do episódio, minha filha fechou o Instagram dela. Laura também tem Facebook. É impossível impedir um jovem de estar nas redes sociais hoje em dia.

Laura é também muito ligada em questões de direitos humanos. Cresceu no ambiente de diversidade sexual, do enfrentamento da violência. Com 4, 5 anos, ela brincava de fazer CPI em casa, quando me fez a pergunta mais difícil: ‘Quando vai acabar mesmo essa exploração sexual?’, indagou-me ela, fazendo o papel de jornalista.

Isso me marcou muito. Aquela menina continua me perguntando quando vai acabar o racismo, a violência. Conversei com Eleonora Menicucci [ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo Dilma Rousseff]. Quando ela foi torturada durante a Ditadura Militar usavam a filha bebê contra ela.

Neste episódio, eu mi senti como em uma tortura pública. Claro que os ataques não têm o mesmo caráter físico, mas psicológico. Quando um parlamentar te agride e te chama de vagabunda na arena pública, todo mundo se sente podendo te agredir também.

Eu responsabilizo os grupos de direita movidos a ódio. Há uma dimensão ideológica por trás dos ataques à minha filha. O que ficou claro é que nem todos os que elogiam torturadores e fazem discursos pedindo intervenção militar no Brasil agiram contra minha filha. Mas os que fizeram os ataques têm estas posições.

Isso é terrível na sociedade atual que vivemos. É a era da destruição moral das pessoal via internet. Nós sentimos o baque, mas não vamos nos vitimizar. Se minha filha está bem, eu estou bem.

Tenho consciência de que só a agrediram tão fortemente por uma iniciativa perversa política.

A convenção dos Direitos das Crianças da ONU diz que elas não devem ser atacadas por opiniões políticas dos seus pais. A maior injustiça que pode haver para uma família é que os filhos paguem o preço das opções dos pais.

Senti de imediato um peso enorme. Será que minhas opções e minhas opiniões chegaram a um plano que prejudicam tão grandemente minha filha? Estou certa em seguir na vida pública? Venho me fazendo estes questionamentos todos.

É como se tivessem dito: “Aqui não é o seu lugar [no Congresso, na vida pública]. É um processo de intimidação que tem a ver com gênero, com condição de mulher e mãe.

Não importa se tem o meu marido lá, o pai dela, que é professor e cuida da nossa filha. Pagamos um preço por esse arranjo, de ser o homem que organiza sua vida de forma a estar presente e mais próximo de casa. O papel se inverteu, enquanto eu, a mulher e mãe, fico indo e voltando.

É uma família diferente, mas de gente que se ama e se cuida. Laura hoje está bem, cercada do carinho dos amigos e da família. A minha sensação é de que ela se sentiu apoiada.

Eu continuo buscando Justiça para que sejam identificados e responsabilizados aqueles que colocaram as imagens da minha filha nas redes sociais e manipularam a história dela. É algo que vai ficar marcado para sempre na vida dela. Como mãe, não posso desistir de protegê-la.”

Fonte: Folha de São Paulo

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