Como tudo em nossa sociedade, os rituais, dos banais aos mais extraordinários, foram afetados pela pandemia do coronavírus. A necessidade de isolamento, de não sair de casa, de higiene constante vem mudando os hábitos, a maneira de interagir com as pessoas e também as despedidas.
Cidades como São Paulo limitam a dez o número de pessoas permitidas por velório e a uma hora o tempo de duração da cerimônia para tentar conter a crescente contaminação pela nova doença. A solução que algumas famílias têm encontrado são os velórios online, por vídeo, uma forma de adaptar o processo de luto às restrições impostas pelo cenário atual.
Diego Meireles, amigo de Maurício Suzuki, advogado de 26 anos que morreu no sábado (28) por Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, acompanhou o velório pelo aplicativo de vídeos Zoom.
A iniciativa neste caso partiu da família, mas o serviço já é oferecido por empresas no país.
Em capitais do Brasil, funerárias relataram à reportagem que a procura por velórios online cresceu. É o caso, por exemplo, do Crematório e Cemitério da Penitência, no Rio de Janeiro, onde o número de acessos aumentou em 33% no mês de março em relação ao mês anterior.
O serviço, que normalmente custa R$ 1.000, está sendo oferecido de graça até o dia 30 de abril e faz parte de uma série de mudanças tomadas em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
A psicoterapeuta e coordenadora do laboratório de estudos sobre o luto da PUC-SP, Maria Helena Pereira Franco, afirma que soluções tecnológicas como os velórios virtuais são importantes para preservar e adaptar o ritual.
“Quando acontece uma morte de alguém próximo, a vida se desorganiza. O ritual [de velar e enterrar] dá concretude”, explica ela, que explica o processo de luto como uma forma de elaborar a perda.
Ela própria já participou a distância da despedida de um amigo, que morreu na Califórnia. “Eu assinei a lista de presença, como fazemos quando vamos ao velório, e senti que eu participei integralmente, porque foi a possibilidade que eu tive”, relata.
O serviço também pode ser encontrado em cidades como Porto Alegre, Natal e Recife.
Na capital gaúcha, 52 pessoas solicitaram o serviço de velório online nos cinco cemitérios administrados pelo Grupo Cotel nos últimos dez dias. O número representa um aumento de 75% na procura em comparação com as duas primeiras semanas de março.
Em Natal, a média de 27 acessos registradas nos dois primeiros meses de 2020 no Cemitério e Crematório Morada da Paz saltou para 46 em março. Segundo a empresa, o tempo total dos acessos deste mês somou 348 horas.
O cemitério e crematório também oferece o mesmo serviço em Recife. Se em janeiro foram 3 cerimônias e em fevereiro, 5, o último mês registrou salto para 10.
Para Maria Helena Franco, algumas pessoas podem ter mais dificuldades de elaborar esse processo sem estar presentes fisicamente. Contudo, diz, o cenário impõe que as necessidades coletivas de saúde tenham prioridade em relação à necessidade individual.
Os trabalhadores das funerárias têm usado roupas especiais de proteção para continuar o trabalho e minimizar os riscos de contágio. Mesmo com vestimentas especiais, cresce o número de profissionais da saúde afastados por conta da doença, enquanto os hospitais sofrem com falta de material.
“As pessoas estão morrendo muito rápido. A partir do momento em que são internadas, ficam sem visitas. Por mais clara que fique a razão para que seja assim, é difícil elaborar. Acho que este momento inicial entre a hospitalização e o falecimento é onde o isolamento tem um peso muito grande”, diz a psicoterapeuta.
Se for mesmo difundida a prática do velório online, afirma Maria Helena Franco, as ferramentas virtuais poderão permitir que mais pessoas tenham, cada uma à sua maneira, seu processo de luto.
“Hoje em dia, quando as pessoas falam que querem voltar ao normal, digo para ficarem preparadas porque o normal que conhecíamos já não existe mais. A gente é protagonista na construção de um novo normal. E isso vai se aplicar também ao luto”, afirma a psicoterapeuta.