O presidente da Comissão do Impeachment no Senado, Raimundo Lira (PMDB-PB), cancelou a sessão que aconteceria nesta quinta-feira. Ela foi adiada para a tarde de segunda-feira, quando os senadores continuarão a ouvir testemunhas de acusação, indicadas pelos próprios parlamentares. A sessão que abriu as oitivas, e varou a madrugada, durou quase quinze horas – começou por volta das 11h45m de quarta-feira e terminou às 2h10m desta quinta.
A oposição, contrária ao impeachment, tentou por várias vezes suspender a sessão e continuá-la na próxima semana, mas Lira foi implacável e negou todos os pedidos.
O calendário aprovado no início da semana prevê para agosto a conclusão do processo, que pode aprovar o afastamento definitivo de Dilma Rousseff do cargo. Aliados do presidente interino Michel Temer já tentavam encurtar o cronograma, mas recuaram diante de protestos do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A oposição, por outro lado, aposta em postergar o processo na tentativa de enfraquecer o governo interino.
Foram ouvidos, durante a sessão, quatro testemunhas de acusação: Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Tribunal de Contas da União (TCU); Antonio Carlos Costa d’Ávila Carvalho, auditor do TCU; Adriano Pereira de Paula, coordenador-geral de operações de crédito do Tesouro Nacional, e Otávio Ladeira de Medeiros, secretário adjunto do Tesouro desde dezembro de 2015.
ACUSAÇÃO DE MACHISMO
Durante a madrugada desta quinta, a sessão chegou a ser suspensa por alguns minutos porque o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) disse que as senadoras Gleisi Hoffmann (PT-RS) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) estavam “ansiosas” em rebater o que ele falava, relativo a uma questão de ordem pedida por ele, e negada pelo presidente da Comissão. Como as críticas ao senador também estavam sendo feitas por parlamentares homens, elas criticaram o emprego da palavra e o uso da palavra no feminino, acusando-o de machismo.
— Por quê ansiosas, se aqui também tem homens? Machista! Machista — atacou Gleisi Hoffmann.
O senador preferiu não responder às críticas, feitas também por Lindbergh Farias (PT-RJ). Após alguns minutos de discussão, Raimundo Lira retomou a sessão.
Entre embates com senadores de oposição, o procurador Júlio Marcelo criticou o déficit fiscal deixado pelo governo Dilma e disse que isso se deve a um aumento de gastos “irresponsável”. O procurador afirmou que houve um dolo que “grita aos olhos”.
— Esse déficit fiscal atual decorre em parte desse aumento irresponsável de gastos. Se criou uma ilusão de que havia renda disponível para o estado, e não havia — disse o procurador, respondendo a questionamento da senadora Simone Tebet (PMDB-MS). — A omissão foi essencial para o plano de fraude fiscal. É um elemento que tem um dolo evidente, o dolo grita aos olhos.
O ex-ministro José Eduardo Cardozo, que defende Dilma, insistiu, em sua fala, que a presidente afastada não cometeu dolo pois assinou os decretos com base em pareceres do TCU.
— Pode ser que juridicamente vossa excelência tenha mais razões do que eu, mas quando um chefe do Executivo decide com base em pareceres, não tem dolo. E para crime de responsabilidade é necessário o dolo — disse Cardozo, respondendo ao procurador.
‘BONECO LOUCO’
Um dos desentendimentos na comissão ocorreu quando a jurista Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment contra Dilma, fez perguntas ao procurador do TCU que fugiam do escopo da denúncia apreciada pelos parlamentares. Raimundo Lira alertou que a testemunha não poderia responder, e a oposição a criticou. Ainda assim, ela reagiu:
— A defesa tem medo de enfrentar o todo, mas eu não vou me calar. Não é que faltam crimes em 2015, é que sobram, se somar tudo — criticou Janaína.
O presidente da Comissão alertou a jurista:
— Isso é um tribunal jurídico, mas com conotação política. Outros assuntos podem ser abordados na fala, mas não podem ser dirigidas perguntas à testemunha. Gostaria que isso ficasse bem claro.
Em outro momento, quando Lindbergh Farias contraditava a testemunha, dizendo que o procurador havia distorcido sua fala, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) chamou o petista de “boneco louco”:
—- O senador que me antecedeu parece ser tão sabido, mas não passa de um boneco louco.
O petista evitou polemizar:
— Não vou responder a baixarias nem argumentos desqualificados.
‘FRIO NA BARRIGA’
Segunda testemunha a ser ouvida pelos senadores, o auditor fiscal Antonio Carlos Costa D’Ávila disse que sentiu um “frio na barriga” quando constatou irregularidades cometidas pelo governo afastado, as pedaladas fiscais – atraso de repasses a bancos oficiais por parte do governo, obrigando as instituições a usarem recursos próprios para pagar benefícios como o Bolsa Família. Ele falou à comissão por mais de duas horas.
Respondendo a um questionamento do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), o auditor do TCU disse que não acreditou quando se viu “diante daquela situação”.
— Eu não acreditava que estava diante daquela situação, de tal sorte que, ao receber os argumentos da outra parte, me dava um frio na barriga grande. Eu pensava: ‘não é possível, eu devo estar errado’ – contou a testemunha de acusação, que elogiou, durante a oitiva, a história do senador Lindbergh Farias e disse que trabalhou e “gosta muito” do ex-ministro Paulo Bernardo, marido de Gleisi Hoffmann.
— Mas, infelizmente, o que eu estava vivenciando era o cometimento de atos que, no meu ponto de vista, contrariavam os mais fundamentais, sensiveis e caros fundamentos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não fico feliz em ter encontrado esse conjunto de achados, mas enquanto a sociedade tiver me pagando um salário para exercer minha função, farei de tudo pra que a Lei de Responsabilidade Fiscal seja respeitada, um dos mais importantes pilares da nossa democracia — acrescentou D’Ávila.
O Globo