O valor pago pelo “setor de propinas” da Odebrecht entre 2006 e 2014 à classe política superou o PIB (Produto Interno Bruto) de 33 de 217 países listados em um ranking do Banco Mundial a partir de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional). O levantamento considera os dados consolidados mais recentes do Fundo, de 2015.
Ao todo, o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, conhecido na empreiteira como o departamento em que as propinas eram pagas, movimentou aproximadamente US$ 3,37 bilhões –o equivalente a R$ 10,6 bilhões –entre os anos de 2006 e 2014 .
A informação foi fornecida pelo ex-diretor da área financeira da empreiteira, Hilberto Mascarenhas , que desde 2006 chefiava o setor. Com 40 anos de serviços prestados à Odebrecht, entre 1975 e 2015, Mascarenhas foi um dos 77 executivos que firmaram acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República e que tiveram o sigilo da delação quebrado pelo relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Edson Fachin.
Mascarenhas entregou à Lava Jato uma tabela com o valor total movimentado pelo Setor de Operação Estruturadas no período. No depoimento, o delator relatou ainda ter sido “intimado” por Marcelo Odebrecht, herdeiro do grupo Odebrecht, para chefiar o setor. Preso desde junho de 2015 em Curitiba , Marcelo era o presidente da construtora Norberto Odebrecht quando escolheu o então diretor para a área que movimentaria as somas destinadas ao pagamento de propinas.
Conforme a lista do BC, a partir dos dados de 2015 do FMI, a soma destinada às propinas da empreiteira a políticos superou o PIB de países como a Guiana (US$ 3,166 bilhões), Burundi (US$ 3,097 bilhões), Lesoto (US$ 2,278 bilhões), Butão (US$ 2,057 bilhões) e Libéria (US$ 2,053 bilhões). O menor PIB, de Tuvalu (US$ 32.67 milhões), é mais de 100 vezes inferior ao destinado pelo setor de propinas da empreiteira a políticos agora investigados na Lava Jato.
Propina é a “gordura”
Para o secretário-geral da associação Contas Abertas Gil Castello Branco, os mais de R$ 10,6 bilhões destinados a propinas, convertidos em obras públicas, poderiam gerar, por exemplo, mais de 5,4 mil creches ao custo de R$ 1,9 mi cada estrutura –que atenderiam mais de 800 mil crianças, ao todo. Outros investimentos possíveis seriam 5 mil UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) de R$ 1,4 milhão, cada; quase 84 mil ambulâncias de R$ 122.750, cada; ou mais de 55 mil ônibus escolares. O cálculo, segundo Castello Branco, considerou valores do Ministério do Planejamentoe da Comissão de Orçamento do Congresso.
“Ver uma soma dessas de propina causa a impressão de que o Brasil perdeu o referencial dos custos de suas obras. Porque, se há uma ‘gordura’ de superfaturamento nesse montante, e é evidente que há, qual seria o custo real das obras públicas, executadas por essas empreiteiras, sem esse sobrepreço?”, indagou. “Essa é uma oportunidade que o Brasil está perdendo de abrir esse mercado para empresas internacionais e até favorecer empresas pequenas e médias. Se somente uma empresa movimentou esses R$ 10 bilhões, imaginemos quanto vai ser a soma que o conjunto de superfaturamento desse cartel gerou”, avaliou.
Para o especialista em contas públicas, porém, falta ainda o cidadão associar a corrupção àquilo que diga respeito à sua realidade mais próxima.
“O brasileiro não tem exatamente essa consciência e associa sempre a corrupção a um crime contra o patrimônio, contra o Estado, ao tipificar, como crimes de corrupção, peculato e tráfico de influência, por exemplo. Ele precisa associar esse crime contra algo que lhe é mais imediato, como creches ou transporte, e mirar sua indignação mais profunda a isso, não somente ao trombadinha que rouba o relógio ou arromba um carro”, defendeu. “Se fomos roubados pela Odebrecht em mais de 5,3 mil creches, por exemplo, é hora de pensar que isso foi pago com nosso recurso –com outras obras superfaturadas e da qual parte da ‘gordura’ era distribuída em propinas”.
Fonte: O Globo