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Com concurso que se arrasta há nove anos no TJRN, sistema cartorial potiguar acumula irregularidades

MAIS DE 1/3 DOS CARTÓRIOS POTIGUARES SÃO OCUPADOS POR INTERINOS, FERINDO OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA ATIVIDADE E RESULTANDO EM UMA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SUCATEADA.FOTO: ILUSTRAÇÃO

Dos 206 Ofícios de Notas (cartórios extrajudiciais) do Rio Grande do Norte, 75 estão vagos. A morosidade do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, responsável pela realização do concurso público (Edital 001/2012- TJRN) iniciado em 2012 e sem previsão de conclusão, vem prejudicando de maneira sistemática o funcionamento cartorário potiguar, ao passo que mais de ⅓ (um terço) das serventias seguem preenchidos por delegatários de outros concursos ou até mesmo por pessoas não concursadas.

A situação, pavimentada sobre uma arrecadação que beira os R$ 20 milhões anuais, já chamou atenção de órgãos como Conselho Nacional de Justiça, que veio ao Rio Grande do Norte para vistoriar detalhadamente o cenário atual. O não cumprimento do que determina a lei, sobretudo a Constituição Federal, acende o sinal amarelo para o sistema cartorário potiguar, que pode estar sendo usado como cabide de emprego e moeda de troca de nepotismo cruzado – entre outras irregularidades.

Aproveitando a presença dos desembargadores Carlos Vieira von Adamek (CNJ/TJSP) e Luís Paulo Aliende Ribeiro (CNJ/TJSP), uma comitiva dos aprovados no concurso dos cartórios do RN, se reuniu com os desembargadores na tarde dessa terça-feira, 28, na sede do TJRN para reivindicar a forma como o Tribunal encerrou o concurso. Dentre as reivindicações, estão o pedido para que o concurso seja retomado, respeitando as decisões judicias e os dispositivos legais.

COMITIVA DOS APROVADOS NO CONCURSO DOS CARTÓRIOS DO RN, DURANTE REUNIÃO COM OS DESEMBARGADORES DESEMBARGADORES CARLOS VIEIRA VON ADAMEK (CNJ/TJSP) E LUÍS PAULO ALIENDE RIBEIRO (CNJ/TJSP) NA SEDE DO TJRN. FOTO: ELANE NASCIMENTO/ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO. FOTO: DIVULGAÇÃO

Enquanto o certame não anda, o Tribunal de Justiça é beneficiado pela devolução do excedente do teto remuneratório dos interinos (90,25% dos subsídios de Ministro do Supremo Tribunal Federal) – o que não aconteceria se as vagas fossem preenchidas mediante a lei. Só no segundo semestre de 2020, foram repassados ao TJRN, segundo o que foi declarado pelas 75 serventias vagas no estado, R$ 1,1 milhão dos R$ 10 milhões arrecadados. No primeiro semestre daquele mesmo ano, o valor devolvido foi um pouco menor, R$ 738,4 mil. Já em 2019, ano anterior à pandemia global do Coronavírus, o montante repassado ao TJ foi de R$ 2,7 milhões.

A vacância tem causado situações jurídicas que infringem o sistema normativo pátrio, tais como: ofensa à Constituição Federal, mácula aos princípios da administração pública, ausência de transparência na arrecadação financeira dos cartórios/glosa dos excessos, possíveis acúmulos de cartórios ilegalmente, além de uma má prestação dos serviços cartorários à coletividade. Tudo isso foi pontuado em uma peça enviada ao Ministério Público estadual, assinada por um dos juristas mais respeitados do Brasil, Gilson Langaro Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça.

DENTRE AS REIVINDICAÇÕES, ESTÃO O PEDIDO PARA QUE O CONCURSO SEJA RETOMADO, RESPEITANDO AS DECISÕES JUDICIAS E OS DISPOSITIVOS LEGAIS. FOTO: ELANE NASCIMENTO/ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO. FOTO: DIVULGAÇÃO

Serviço precarizado

Durante as inspeções já realizadas anteriormente pela Corregedoria Nacional de Justiça junto aos cartórios (e cujos relatórios já aprovados pelo plenário estão publicados no site do CNJ na internet) foram verificadas graves falhas nos serviços notariais e de registros, a exemplo de livros em péssimo estado de conservação e inservíveis, grande número de atos praticados de forma incorreta e inexistência de definição das competências territoriais até mesmo em relação aos cartórios imobiliários.

Observou-se ainda o descontrole quanto ao recolhimento das custas, falta de fiscalização sobre o regime de trabalho dos empregados contratados pelos responsáveis, livros notariais com folhas intermediárias em branco, escrituras faltando assinaturas, firmas reconhecidas sem os necessários cuidados com os cartões de assinatura (tanto na colheita do material gráfico, como no armazenamento dos cartões), entre vários outros pontos.

Princípios básicos da Lei podem estar sendo descumpridos

A Constituição Federal não permite que uma pessoa não concursada fique por um período maior do que seis meses no cargo público de tabelião, já que tal permanência poderá provocar riscos para os serviços públicos.  A carta Magna preceitua em seu § 3° do art. 236 que “o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”

É importante observar ainda que a profissão dos tabeliães é carreira de caráter privada, mas caracterizada como uma atividade pública e, portanto, deve respeitar aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência aplicados aos funcionários públicos. Contudo, o preenchimento interino das vagas no RN, vai de encontro a estes princípios básicos, ao passo que blinda o sistema, de certo modo, do controle estatal. Uma situação precária que deveria ser a exceção e temporária vem se arrastando por quase uma década beneficiando apadrinhados, amigos, parentes de magistrados e até ex-assessores.

Transparência

É preciso pontuar ainda a falta de transparência. A publicidade determinada pela legislação e pelo próprio CNJ não vem ocorrendo no RN. Não há, para alguns casos, qualquer acesso às informações sobre as remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, como por exemplo, dos interinos que estão ocupando alguns cartórios sem que sejam concursados.

O Justiça Aberta é um sistema de consulta que facilita o acesso dos cidadãos a informações sobre a localização de varas cíveis, tribunais, cartórios e outras instituições a serviço do sistema judiciário do Brasil e sobre relatórios de produtividade das secretarias processuais. Gerenciado pela Corregedoria Nacional de Justiça, foi criado como medida de prevenção à corrupção.

Ao consultar a página, alguns responsáveis pelos serviços notariais e de registro estão com pendência na alimentação de todos os dados no sistema Justiça Aberta há alguns semestres, quando deveriam promover a atualização – semestralmente – até o dia 15 dos meses de janeiro e julho. E quaisquer alterações cadastrais devem ocorrer 10 dias após suas ocorrências.

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