O presidente Jair Bolsonaro foi recebido nessa sexta-feira, 25, pelo presidente chinês, Xi Jiping, no Grande Salão do Povo, ao lado do mausoléu de Mao Tsé Tung. Bolsonaro chegou de limusine à Praça da Paz Celestial, passou em revista as tropas, ouviu o hino dos dos países e saudou crianças que pulavam em sincronia em uma fila de cumprimentos.
A cerimônia majestosa, a hospitalidade, e os discursos que marcaram esta visita introduziram Bolsonaro no ritual da diplomacia chinesa. O presidente brasileiro que, reiteradamente, disse aos dirigentes chineses que o Brasil mudou e quer refundar as relações com a China, ouviu que o país anfitrião quer prosseguir na rota aberta 45 anos atrás com o estabelecimento das relações entre os dois países.
O diretor do Departamento de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Bentang, foi além. Disse esperar que o Brasil dê continuidade a uma relação herdada de seus antecessores.
A declaração converge com o relato de um empresário chinês, com negócios no Brasil, que esteve esta semana com os diplomatas envolvidos com a visita segundo os quais, a China identificava que o governo Jair Bolsonaro trazia uma abordagem diferente de tudo o que conheciam da diplomacia brasileira e que ainda estavam buscando entender.
As falas iniciais de Xi e Bolsonaro não poderiam ter sido mais representativas das diferenças de lado a lado. Enquanto o presidente chinês ressaltou os princípios que guiam as relações estratégicas dos dois maiores países em desenvolvimento dos dois hemisférios, Bolsonaro foi no pão, pão, queijo, queijo. Disse que o Brasil era um mar de oportunidades para os investimentos chineses, convidou as estatais do país a participar do leilão da cessão onerosa e mencionou a isenção de vistos anunciada durante a visita.
A lista de interesses não reflete apenas a rendição ao pragmatismo de um presidente que, durante a campanha, hostilizou o principal parceiro comercial do país. Ao detalhá-los, Bolsonaro tentou escapar do jogo nem sempre sutil da diplomacia chinesa.
Ao ressaltarem o multilateralismo, a valorização da paz mundial, e a história de convergências de suas diplomacias, Xi , o primeiro-ministro, Li Keqiang, e presidente da Assembleia Popular, Li Zhanshu, com quem o presidente teve encontros em separado, deram uma sinalização clara de que buscam uma confiança política mútua.
“O grande encontro aqui foi comercial, a política é caso a caso”, disse Bolsonaro ao voltar para o hotel depois do banquete oferecido por Xi.
O presidente americano, que até então não havia sido mencionado por Bolsonaro, entrou na pauta. “Perguntei a ele sobre sua relação com [Donald] Trump, e ele respondeu que a relação é boa e respeitosa. Eu disse que cada um tem seu interesse. Nunca seremos 100% afinados [com a China], mas na questão econômica estamos fortes“.
No balanço final, Bolsonaro também se estendeu mais sobre a questão da Huawei. Ao chegar à China, limitou-se a dizer que a Huawei “estava fora do seu radar”. Ao sair, afirmou que não tinha tratado do tema com Xi, ao contrário do que disse ter feito com Trump, e acrescentou que os americanos “também tinham interesse” no negócio e que o Brasil “aguarda a melhor proposta” sobre o tema.
A afirmação foi feita quando estavam concluídos os atos assinados pelos dois governos e a declaração conjunta dos dois presidentes. Ainda que tenham ficado aquém do que se chegou a imaginar, houve avanços com o protocolo do farelo de soja, componente da ração animal exportado pelo Brasil e com o memorando que pode abrigar mais cooperação na energia solar e eólica.
É significativo que o primeiro dos atos que abre a lista, repassada à imprensa, seja o de cooperação entre as chancelarias dos dois países. Consta que os contatos institucionais entre os dois ministérios se tornarão mais regulares, o que é um passo político de aproximação.
Ao fazer um balanço da viagem, o presidente Bolsonaro chamou o chanceler Ernesto Araújo para responder à pergunta sobre a sinergia entre o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) e a “Iniciativa do Cinturão e da Rota” na declaração conjunta entre os dois presidentes.
O BRI, sigla em inglês para o “Belt and Road Iniciative”, como é conhecido o programa de infraestrutura e conectividade entre os dois países, havia sido citado por diversas autoridades chinesas ao longo da visita, mas foi apenas, na declaração que foi mencionado pelo governo brasileiro.
“Procuraremos a sinergia dos dois programas, mas não se trata de uma adesão” ressaltou o chanceler para diferenciar, por exemplo, o status brasileiro daquele do Chile, em relação ao BRI.
Além de mencionar a ONU, o G-20 e o Brics como os fóruns multilaterais em que os dois países buscarão cooperar, a declaração conjunta faz uma concessão ao Brasil ao apoiar a expansão do número de cadeiras no Conselho de Segurança da ONU e a aspiração do Brasil a um “papel ainda mais proeminente” nas Nações Unidas.
Entre os empresários do agronegócio, origem da maioria dos que circulavam pelo lobby do hotel em que a comitiva estava hospedada, a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, era tratada como a grande vencedora desta visita.
A avaliação se deve mais à liberação dos frigoríficos que exportam para a China do que pela liberação das sementes de soja modificadas e das novas plantas chinesas de etanol, que ficarão, no melhor das hipóteses, para a visita de Xi Jinping ao Brasil em novembro, para a cúpula dos Brics.
Se o presidente Xi Jiping deu um nó na intenção de Bolsonaro de refundar as relações entre os dois países, o presidente brasileiro também se sentiu à vontade para dar sua própria versão da rendição ao pragmatismo. Bolsonaro recuou da visão sobre Taiwan, esboçada na campanha, pela simples razão de que não teria como mantê-la se quisesse continuar a ter a China como principal parceiro comercial do país.
Mas, ao final da visita, achou por bem remontar os fatos à sua maneira. Associou o recuo em relação a Taiwan ao reconhecimento pela China da soberania brasileira na Amazônia. Uma coisa nada tem nada a ver com a outra, mas deve fazer sucesso nas redes sociais.
Bolsonaro desembarcou na China dizendo que havia chegado a um país capitalista, encerrou a visita com um passeio a pé até o La Place, um shopping a céu aberto com um teto de led, onde entrou em lojas, calculou a conversão do preço de algumas roupas, saiu sem comprar nada e puxou conversa com os jornalistas:
– Vocês viram a capa da Veja sobre Lula e Celso Daniel?
Com informações: Extra