Manifestação realizada ontem (27) no vão-livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, lançou uma reflexão sobre o caso de uma adolescente de 16 anos que foi vítima de um estupro coletivo no último fim de semana, no morro São José Operário, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro, por 33 homens, segundo seu relato à polícia. Diferente de outras mobilizações na Avenida Paulista, desta vez o ato não contou com caminhadas ou interdição de vias. Convocado pelas redes sociais, o ato simbólico consistiu na distribuição de papel e caneta para que as pessoas que passavam no local escrevessem frases sobre o estupro. Depois, os papéis foram afixados em uma parede do Masp, que está em reforma.
A manifestação relembrou o caso de quatro adolescentes, com idades entre 15 anos e 17 anos, que foram estupradas por cinco homens e depois jogadas de um penhasco na cidade de Castelo do Piauí há exatamente um ano. Uma das jovens morreu.
O evento foi convocado pela jornalista Giovanna Prado, 24 anos, com o objetivo de refletir e combater a “cultura do estupro no país”. “Todo dia há uma manifestação diferente [no centro de São Paulo]. Todo dia alguém interdita a via e já não se sabe mais que protesto é. A sensação que eu tenho é que isso já não está mais impactando na vida de ninguém. Ninguém mais pára para refletir e ver o que está acontecendo. Pensei em uma forma para as pessoas refletirem sem que isso atrapalhasse seu cotidiano”, disse à Agência Brasil. “A ideia é aproveitar o espaço público, usá-lo como discussão para que as pessoas venham, se conheçam, conversem e deixem mensagens no mural, flores ou apoio”, afirmou.
Para Giovanna, o combate ao estupro é algo bastante complexo, mas deve começar pelo reconhecimento do feminismo. “Feminismo não é uma palavra ruim. É questão de igualdade. Eu, como mulher, exerço a mesma função e não ganho o mesmo. Eu, como mulher, saio na rua e sofro assédio. É isso que precisamos combater”.
Ela também acha importante que os pais conversem sobre o assunto com seus filhos, e que isso também seja objeto de discussão nas escolas. “Eu tinha 12 anos quando sofri o meu primeiro assédio. Não há idade para falar com as crianças. Elas precisam [saber sobre isso] até mesmo para se prevenirem e para formarem uma opinião. Aquele menino com quem você fala que isso não é normal e que uma moça pode andar do jeito que quiser, e que isso não dá o direito dele fazer nada com ela, ele vai aprendendo enquanto é pequeno. Estupro não pode ser um tabu: ninguém fala, as pessoas esquecem e ele continua acontecendo. A ideia aqui é fazer as pessoas refletirem. E isso deve ser feito todos os dias”, disse ela.
Repúdio ao estupro
O ato chamou a atenção de várias pessoas. Alguns pararam para escrever frases; outros, apenas para fotografar; alguns para refletir. Pouco a pouco, a parede foi ficando repleta de frases como: “Precisamos falar sobre a cultura do estupro”, “Ela era criança”, “Não ensinem mulheres como não serem estupradas. Ensinem homens a não estuprar”.
A professora Maria de Lourdes Teixeira da Silva, 53 anos, passou pelo local e aproveitou para fotografar e postar a foto nas redes sociais. “O povo está pondo e expondo. O que incomodou está lá, disse ela, apontando para as frases na parede. Não escrevi, mas tirei a foto e vou postar no meu Facebook. Bonita campanha”, disse.
Adilson Antonio Machado, 46 anos, que faz pequenos reparos, escreveu a frase “Prá que isso? Chega”, que depois foi afixada na parede. “A mulher não tem que ficar à direita ou à dianteira [do homem], nem nada. Tem que ter um patamar de igualdade”, afirmou. Machado achou “absurdo” o estupro da adolescente no Rio de Janeiro. Para ele, os homens responsáveis pelo estupro precisam responder pelo crime. “Eles tem que ser julgados”, ressaltou.
O casal Bruno Mourão Guzzo, 27 anos, jornalista, e Jéssica Policastri, 25 anos, educadora, estavam passando pela Paulista com duas afilhadas quando viram o ato no Masp e decidiram parar. “Acho fundamental. Todas nós mulheres estamos com esse grito entalado dentro da garganta”, falou Jéssica. “Estando com duas crianças, mulheres, penso em tudo o que elas podem passar e tudo o que podemos fazer, juntos, para que a vida delas seja diferente da nossa”, ressaltou a educadora.
“Acho que é uma coisa que está enraizada na cultura do brasileiro. Vivemos em uma sociedade totalmente machista e quando rompemos isso, é sempre de uma maneira hipócrita. Acho que o papel dos homens é pedir desculpas para as mulheres por todo o mal que possam ter causado a elas. E os homens que têm consciência, [precisam] abrir os espaços, que são privilégio sempre dos homens, para as mulheres, e deixar que elas falem, se empoderem e combatam esse machismo”, disse Guzzo.
Para Jéssica, o combate ao estupro só pode ocorrer “com muita luta”. “Com muita luta de todas nós, mulheres. E dos homens também, que podem colaborar. Que a gente não desista”.