O grupo de varejo Pão de Açúcar viveu uma sequência de situações complicadas nos últimos anos. A mais escancarada delas foi a feroz disputa societária entre Abilio Diniz, antigo dono da companhia, e o varejista francês Casino, que assumiu o controle em 2012. A relação entre a empresa e a família Klein, que vendeu a rede de eletroeletrônicos Casas Bahia ao Pão de Açúcar em 2009, também nunca foi das melhores. Além disso, havia o desafio de fazer a empresa crescer em meio à pior recessão do país.
Altos executivos saíram e as negociações com fornecedores tornaram-se duríssimas — alguns chegaram a interromper as vendas para o grupo. As vendas caíram no ano passado, quando a companhia teve seu primeiro prejuízo em mais de uma década. Pior que isso: um de seus principais concorrentes, o Carrefour (do qual Abilio é, hoje, o terceiro maior acionista), está investindo cerca de 1,5 bilhão de reais e anunciou o plano de abrir o capital para financiar seu crescimento no país.
Pressionado, o Pão de Açúcar achou que era o momento de encarar mais um problema: o destino da Via Varejo, rede de eletroeletrônicos controlada pelo grupo que é dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio.
O Brasil é o único país em que o Casino tem uma grande rede de eletrônicos — uma empresa semelhante é a francesa C-Discount, mas ela vende apenas eletrodomésticos e artigos de vestuário e tem uma participação de mercado modesta. Nos demais países em que atua, o Casino controla supermercados e lojas de conveniência. Segundo executivos próximos ao Pão de Açúcar, os franceses nunca tiveram a intenção de ficar com a Via Varejo, mas acabaram mantendo a empresa porque ela dava bons resultados.
Em 2013, quando teve lucro recorde de 1,2 bilhão de reais, a empresa era considerada a “joia da coroa” do Pão de Açúcar pelos analistas. Do início de 2015 para cá, porém, a Via Varejo não teve lucro em nenhum trimestre. Já os supermercados continuaram crescendo. Diante disso, no início de novembro o grupo decidiu procurar os bancos (o primeiro a ser acionado foi o Santander) e pedir soluções para a Via Varejo.
Uma das alternativas estudadas é vender a empresa. A outra é fazer uma oferta de ações, na qual o Casino aproveitaria para vender parte de sua participação na companhia.
Os recursos poderiam ser usados para reduzir o alto endividamento do Casino (a dívida equivale a seis vezes a geração de caixa; no Pão de Açúcar, a relação é de apenas 1,5 vez). Outra opção que está sendo analisada é mudar a operação da Via Varejo para tentar torná-la mais rentável: isso poderia ser feito unindo as bandeiras Casas Bahia e Ponto Frio ou vendendo uma das marcas.
Ao manter as duas marcas, a companhia pretendia atender públicos distintos — o Ponto Frio seria voltado para o topo da pirâmide e a Casas Bahia ficaria com a baixa renda. Mas, de acordo com profissionais do grupo, a estratégia não funcionou — em parte, porque a empresa manteve lojas do Ponto Frio em bairros populares e fechou filiais em -shoppings de alta renda. Casino, Pão de Açúcar e Via Varejo não deram entrevista.
A recessão está prejudicando os resultados da grande maioria dos varejistas no Brasil, mas a situação da Via Varejo é pior hoje do que a de seus principais concorrentes. Analistas e executivos de mercado atribuem seu desempenho ruim a mudanças na gestão e à política agressiva de preços da Cnova, empresa que reúne as vendas online do Pão de Açúcar. Como Via Varejo e Cnova eram empresas diferentes, com estruturas completamente separadas, elas competiam entre si.
“Com a política agressiva de preços, a Cnova canibalizava inclusive a Via Varejo”, diz Guilherme Assis, analista do banco Brasil Plural. Em outubro do ano passado, a família Klein, acionista da Via Varejo, enviou uma carta ao conselho de administração da empresa reclamando que a política de preços da Cnova estava prejudicando a Via Varejo.
Em agosto, o Pão de Açúcar anunciou que integraria as operações da Cnova às da Via Varejo, e a reorganização societária que foi concluída em outubro. O objetivo é conseguir sinergias de 325 milhões de reais neste ano e ganhos anuais de 245 milhões a partir de 2017 com a integração de áreas como marketing e tecnologia, além das políticas de compras e preços. Essa iniciativa valorizou as ações da Via Varejo em 35% desde agosto.
“A sinergia pode melhorar a rentabilidade. Não faz o menor sentido manter estruturas separadas”, diz Eugênio Foganholo, diretor da Mixxer, consultoria especializada em varejo.
Um complicador extra na gestão da rede é a alta rotatividade de executivos. Nos últimos quatro anos, a Via Varejo teve cinco presidentes (no mesmo período, o Pão de Açúcar e a Cnova tiveram dois). Cada presidente que chega modifica a equipe e a estratégia conforme seus credos — e conforme o nível de interferência de Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, segundo afirmam executivos e ex-profissionais do grupo.
Antonio Ramatis, que foi presidente da Via Varejo em 2013, escreveu uma carta ao renunciar ao cargo dizendo que sua saída se devia a interferências em seu trabalho. Quando questionados sobre a grande rotatividade de profissionais, executivos do grupo costumam rebater dizendo que a composição do conselho de administração mudou pouco desde 2012 — e o presidente do conselho é Ronaldo Iabrudi, que comanda o Pão de Açúcar desde 2014.
A vez do comprador
A decisão de vender a Via Varejo acontece num momento muito mais favorável para os possíveis compradores do que para o Pão de Açúcar. Apesar de suas ação terem valorizado recentemente, a Via Varejo vale 4 bilhões de reais na bolsa, o equivalente aos recursos que tem em caixa — ou seja, os investidores não atribuem nenhum valor às marcas da companhia nem a seus estoques. Em 2013, o valor de mercado era quase três vezes maior.
Concorrentes nacionais, como Lojas Americanas e Magazine Luiza, precisarão de financiamento para fazer a aquisição caso tenham interesse no negócio. Isso porque a Via Varejo é quase duas vezes maior do que o Magazine Luiza, e a Lojas Americanas tem uma dívida mais alta (além disso, a Americanas tem avaliado outras aquisições, como a rede de postos de combustíveis BR, que pertence à Petrobras).
Os bancos começaram a oferecer a empresa a varejistas estrangeiros, como a alemã Steinhoff, que tem um modelo semelhante ao da Casas Bahia (também vende eletroeletrônicos e móveis, além de ter uma fábrica de móveis).
Com a recessão e as margens apertadas, uma empresa de eletroeletrônicos é vista como um negócio de altíssimo risco no Brasil atual. A família Klein, que é tida como potencial compradora, tem afirmado que não quer controlar a companhia — hoje, tem 27% do capital da Via Varejo (procurados, os Klein não deram entrevista). Pode ser uma estratégia para baixar — ainda mais — o preço. Para o Pão de Açúcar, isso significa que os próximos meses devem continuar conturbados.
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