Em apenas seis meses, agricultores e agricultoras familiares que compõem o projeto Algodão Agroecológico Potiguar realizaram as primeiras colheitas. A ação foi lançada oficialmente em 22 de dezembro de 2021, sob a coordenação do Governo do RN, por meio da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (SEDRAF) e do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), e já se consolida como um verdadeiro caso de sucesso, demarcando o retorno do chamado “ouro branco” à agricultura familiar do Rio Grande do Norte.
Ao visitar campos de algodão cultivados por algumas dentre as 361 famílias beneficiadas pelo projeto, o titular da SEDRAF e professor licenciado do departamento de Gestão Ambiental da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Alexandre Lima, destacou a magnitude da iniciativa, desenvolvida em regime consorciado a outras culturas, como feijão, milho e gergelim, com técnicas agrícolas de base agroecológica que ajudam a preservar o meio ambiente e potencializam a produção de alimentos saudáveis. “É uma realidade que está transformando vidas no semiárido potiguar”, declarou, na companhia do grupo de mulheres que tem o apoio de duas das organizações envolvidas na iniciativa, Justa Trama e Rede Xique Xique.
Em Baraúna, no assentamento Tiradentes, o gestor atestou que o Projeto Algodão Agroecológico Potiguar mostra a viabilidade técnica, social, ambiental e econômica da retomada do cultivo do algodão no Rio Grande do Norte. O modelo se mostra sustentável e tem garantido a produção da fibra natural sem a infestação de pragas como o bicudo, um dos fatores que dizimou a cultura algodoeira potiguar entre o período considerado seu apogeu, entre os anos 70 e 80, ao declínio, na década de 90.
A agricultora Neneide Lima (Francisca Eliane), presidente da União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES) e representante da Rede Xique Xique, falou do trabalho que está sendo desenvolvido de forma coletiva em diversas comunidades do estado, tal conforme mostrado em Tiradentes. “É muito importante essa parceria. Nesse plantio, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, que tem a companheira Rosângela Santos como presidente, tem somado bastante para que as mulheres permaneçam no campo. Aqui, tem jovem produzindo e participando, como também mulheres de 70 anos”, afirmou.
O projeto beneficia diretamente pessoas como a camponesa Nilda Silva, que está vivenciando uma nova oportunidade com o cultivo do algodão agroecológico. “Só temos a agradecer a participação de todas, porque não foi nada fácil. Havia muita gente na comunidade que não acreditava no nosso trabalho. Como já temos o trabalho de apicultura, achavam que quando a gente fosse para a enxada seria mais difícil. Mas, nós limpamos, nós conseguimos vencer e está aqui o resultado. A gente só tem a agradecer ao CF8 [Centro Feminista 8 de Março), à Rede Xique Xique e ao Sindicato, que contribuíram, plantaram com a gente e nos ajudaram a limpar, apanhar e está aqui o nosso resultado”, disse, apontando as sacas de algodão.
Ao seu lado, a senhora Maria das Dores, a mais velha do grupo, com 74 anos, também apicultora e agricultora, mostra-se feliz da vida com o resultado obtido em tão pouco tempo. “Graças a Deus, estou achando bom e fico doente quando não estou aqui, por mim eu estava aqui todo dia”, confirma. O projeto está contribuindo para reativar a memória afetiva até de quem não cultivou o algodão potiguar, mas ouviu muito falar na cultura algodoeira.
Nos campos potiguares, principalmente situados nas regiões do Alto Oeste ao Seridó, onde tem uma cidade chamada Ouro Branco, o plantio da fibra natural liderou os meios de produção do estado por várias décadas. Seu cultivo no Brasil remonta aos indígenas, com a espécie nativa conhecida como “algodão mocó”, antes mesmo da ocupação europeia, sendo que os colonos introduziram outras espécies que constituíram a cultura algodoeira brasileira.
OURO BRANCO
As organizações Diaconia, ACOPASA, Instituto Casaca de Couro e o Centro Pastoral da Terra (CPT), além de entidades de ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural contratadas pelo Governo do Estado, passaram todo esse semestre indo a campo para orientar e ajudar as 361 famílias sediadas em 41 municípios de oito dos dez territórios do Rio Grande do Norte. Nos 458,8 hectares de algodão cultivados em sistema de consórcio agroecológico, o Projeto tem contribuído decisivamente para ressignificar a expressão “ouro branco” na agricultura familiar do Rio Grande do Norte.
Ainda em Baraúna, na comunidade de Santa Clara, a equipe da EMATER relata como foi feita a mobilização na região. “Começamos a divulgar a iniciativa do Governo do Estado com o pessoal dessas comunidades e procuramos selecionar agricultores(as) familiares que pudessem se adequar à iniciativa, como é o caso de Amauri. Esse trabalho agroecológico tem a tendência de crescer aqui no município e acredito que ele está satisfeito com esse trabalho”, disse o extensionista Júnior, fato confirmado pelo agricultor. “Graças a Deus estou feliz demais e a tendência é que o próximo ano melhore cada vez mais”.
Também extensionista, a técnica Grasiela Abreu reforça a importância da instituição em campo, para o desenvolvimento do projeto. “Eu considero que a gente está fazendo um trabalho no sentido de fortalecer a agricultura familiar, fazer esse despertar para uma consciência agroecológica, de que é possível produzir e lembrar que esse é um projeto piloto. Ainda estamos errando muito, precisamos acertar mais, precisamos envolver outras famílias para que assim possa haver uma maior participação, para que o projeto venha a se tornar sustentável, garantindo comercialização e tecnologia agregada”, explanou.
As visitas foram realizadas entre os dias 28 e 30 de julho de 2022 e contaram com a presença da coordenadora da SEDRAF Gabrielly P. Sousa (Mulheres e Juventude Rural), por haver esse recorte significativo entre as famílias beneficiárias. “É lindo ver a satisfação das famílias, principalmente das mulheres que fizeram uma árdua luta e demonstram forte resiliência para conseguirem colher hoje. Foi enriquecedor nos depararmos com uma senhora de mais de 70 anos e uma jovem de uns 20 anos partilhando a experiência da colheita”. A visita se estendeu à experiência do algodão colorido, que tem uma coloração marrom.
EXPECTATIVA X REALIDADE
O projeto Algodão Agroecológico Potiguar é a maior iniciativa de revitalização do algodão, em bases agroecológicas, em todo o Nordeste. Na época do lançamento, estimou-se que a colheita atingiria a marca de mais de 250 toneladas de algodão orgânico/agroecológico produzidas em terras potiguares. Grande parte das 392 famílias mobilizadas permanece no projeto.
Destas, 361 famílias resistiram às intempéries do tempo e hoje participam das colheitas; todas receberão a certificação agroecológica de sua produção. Dentre elas, 150 serão selecionadas pela SEDRAF para receber o Certificado de Produção Agroecológica garantido pelo Projeto de Certificação Participativa executado com as entidades ACOPASA e Rede Xique Xique, que são habilitadas pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e foram contratadas pelo Governo do Estado através de um termo de cooperação. As demais terão a certificação agroecológica por processo de auditoria.
O projeto abrange oito territórios potiguares – Alto Oeste, Sertão de Apodi, Sertão Central, Seridó, Assú/Mossoró, Mato Grande, Trairi e Potengi. A previsão é de movimentar mais de R$ 1 milhão entre as famílias envolvidas.