O Atlas da Violência, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra em sua mais nova edição que 75,5% das vítimas de homicídio no País são negras, maior proporção da última década. O crescimento nos registros de assassinatos no Brasil, que alcançou patamar recorde em 2017, atinge principalmente essa parcela da população, para quem a taxa de mortes chega a 43,1 por 100 mil habitantes – para não negros, a taxa é de 16.
Os dados foram divulgados nesta quarta-feira, 5, e tem como base registros do Ministério da Saúde nas cidades brasileiras ao longo de 2017, ano em que aconteceram 65,6 mil homicídios, o equivalente a 179 casos por dia. Com o Atlas, agora é possível entender os números de forma mais aprofundada, com informações das vítimas como cor, idade e escolaridade.
Apesar de as vítimas negras corriqueiramente serem maioria nos registros, o dado de 2017 mostra que essa prevalência tem crescido. Em 2007, por exemplo, os negros eram 63,3% dos assassinados, proporção que aumentou continuamente até atingir os 75,5% em 2017 – foram 49,5 mil homicídios contra negros naquele ano e 16 mil de não negros.
O estudo usa a definição do IBGE para definir pessoas negras como as que se classificam como pretas ou pardas. Os não negros são os brancos, amarelos ou indígenas. “Proporcionalmente às respectivas populações, para cada indivíduo não negro que sofreu homicídio em 2017, aproximadamente 2,7 negros foram mortos”, apontam os pesquisadores.
O documento mostra que no período de uma década (2007 a 2017), a taxa de negros assassinados cresceu 33,1%, já a de não negros apresentou um pequeno crescimento de 3,3%. “Analisando apenas a variação no último ano, enquanto a taxa de mortes de não negros apresentou relativa estabilidade, com redução de 0,3%, a de negros cresceu 7,2%”, descreve o estudo.
A discrepância faz com que em alguns Estados a diferença entre as vítimas seja ainda mais acentuada. O Atlas destaca o caso de Alagoas, onde a taxa de mortes de negros é de 67,9 por 100 mil habitantes, a quinta mais elevada do País. O mesmo Estado tem uma taxa de morte de não negros de 3,7, a mais baixa de todas.
“De fato, é estarrecedor notar que a terra de Zumbi dos Palmares é um dos locais mais perigosos do país para indivíduos negros, ao mesmo tempo que ostenta o título do estado mais seguro para indivíduos não negros (em termos das chances de letalidade violenta intencional). Em termos de vulnerabilidade à violência, é como se negros e não negros vivessem em países completamente distintos”, dizem os pesquisadores.
Os cinco estados com maiores taxas de homicídios de negros estão localizados na região Nordeste. Em 2017, o Rio Grande do Norte apresentou a taxa mais alta, com 87 mortos a cada 100 mil habitantes negros, mais do que o dobro da taxa nacional, seguido por Ceará (75,6), Pernambuco (73,2), Sergipe (68,8) e Alagoas (67,9).
Já os Estados que possuem menores taxas de homicídio de negros foram São Paulo, com 12,6 negros a cada 100 mil habitantes deste segmento; Paraná, com 19; e Piauí, com 21,5.
Douglas Belchior, membro da União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro) e ativista, classifica os números como a expressão do “genocídio do negro brasileiro”. “É muito triste que ano após ano os números mostrem a óbvia permanência da violência e que isso não comova a sociedade, que isso não pare tudo e force uma discussão sobre o problema”. diz.
Belchior entende o número como consequência da negação de direitos sociais à população negra. “Não vemos políticas no sentido de dar acesso à educação, trabalho e renda para a população negra”, diz. “Por outro lado, há também uma política de segurança onde a polícia mata negros, levando ainda a um efeito indireto, o de que se o Estado pode ser violento contra a população negra, a população civil também pode”, acrescenta.
O historiador Eduardo Ribeiro é coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, movimento que “identifica na retórica da guerra às drogas a principal justificativa política contemporânea para a manutenção de práticas sofisticadas de perpetuação de opressão racial sob a população negra”, segundo descreve o site oficial.
“Se os brancos fossem a maioria dos afetados pela guerra às drogas, veríamos outra política em execução”, pontua Ribeiro. Ele explica que desde a sua constituição, essa forma de atuação contra as drogas, em que a punição e a prisão são privilegiadas, historicamente se mostrou como uma maneira de criminalizar a população negra. “A orientação punitivista na segurança pública e a orientação racista no Judiciário são dois componentes que impulsionam mortes.”
O Atlas destaca que a guerra desencadeada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) e pelo Comando Vermelho (CV) a partir de 2016, mas com grandes consequências em 2017, teve um papel relevante no aumento dos homicídios. As maiores facções brasileiras e seus respectivos aliados regionais passaram a se confrontar pelo domínio de novos mercados de drogas em um embate cuja expressão mais visível foram os massacres em cadeias em janeiro de 2017, que deixaram 138 presos mortos, mas que também se espalhou pelas ruas das grandes cidades.
Portal Terra