Na pandemia, cresce procura por cursos de graduação na área de Saúde
Em evidência por causa da pandemia da covid-19, profissionais de saúde e pesquisadores têm inspirado jovens na hora de escolher o curso superior. Na pandemia, a procura pelas graduações na área de Saúde cresceu, acelerando uma tendência de aumento do interesse por cursos como Medicina, Ciências Biomédicas e Enfermagem.
Só na Universidade de São Paulo (USP), são 18,8 mil inscritos na Fuvest para cursar Medicina a partir de 2021 – na edição anterior do exame, eram 15,8 mil, alta de 19,4%. O número já vinha crescendo nos últimos anos, mas deu um salto em 2020. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a procura pelo curso também aumentou.
Em meio às discussões sobre estratégias de vacinação e desenvolvimento de medicamentos contra a covid-19, a graduação em Ciências Biomédicas da USP teve aumento de 22,3% nos inscritos no vestibular atual, na comparação com a edição anterior. O número de interessados no curso, que tem disciplinas sobre o sistema imunológico e comportamento dos vírus, é o maior desde que a graduação foi criada em 2011: são 1.274.
“Nunca antes, pelo menos nos últimos anos, vimos tanto a área de ciência sendo exposta nas mídias. Temos participação grande de cientistas da área da saúde frente à pandemia, mostrando a importância de novas descobertas, de desenvolver tecnologias como a vacina”, diz Luciana Rossoni, coordenadora do curso de Ciências Biomédicas da USP. “É uma área muito grande, mas uma parte forte é o desenvolvimento de ciência e pesquisa. Isso atraiu mais jovens.”
Aluna do final do ensino médio, Ana Paula Freitas, de 18 anos, pensava em cursar Biologia Marinha ou Medicina Veterinária, mas, este ano, mudou de ideia e agora quer fazer Ciências Biomédicas em alguma universidade pública por meio da nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Com a pandemia, a aluna, que já tinha ouvido falar o curso, começou a se informar melhor sobre o campo de atuação e gostou.
“Muitas pessoas sofreram (por causa da pandemia), milhares morreram, comecei a pesquisar sobre como se faz uma vacina e vi que muitos se agarram a um dado de que vacina não funciona”, diz. Ainda antes da crise da covid-19, tem aumentado o número de publicações que espalham fake news sobre vacinas, o que especialistas apontam como um dos fatores que contribuem para a queda das taxas de imunização no Brasil e no mundo.
A jovem passou a seguir publicações de biomédicos nas redes sociais durante a pandemia e se encantou com a possibilidade de desenvolver medicamentos. “Eu me sentiria muito aliviada em ajudar pessoas que não têm tanta informação, em ajudar a humanidade”, afirma.
Candidatos a médicos dizem que o coronavírus colocou em destaque o trabalho desses profissionais e ampliou o desejo de estar logo na linha de frente. Filha de uma enfermeira intensivista que atende casos da covid em São Paulo, Gabriela Figueiredo, de 18 anos, só falta entrar no hospital de tão interessada. “Assim que minha mãe chega do plantão, a gente conversa, ela fala dos pacientes e tento imaginar o prognóstico”, conta.
“É uma grande felicidade quando ela conta que alguém venceu a covid, mas é uma grande tristeza quando perde alguém.” Enquanto estuda para o vestibular de Medicina da Fuvest, Gabriela lê publicações científicas sobre o coronavírus, livros médicos e pede para a mãe mandar fotos do hospital. “Tudo o que eu queria era poder ajudar”, diz a adolescente.
Diretor do Hexag na Vila Mariana, cursinho específico para Medicina, Cosme Cunha afirma que a procura de aulas para o ano que vem aumentou: as inscrições para bolsas subiram 42% e as matrículas tiveram alta de 30%, números que ele atribui também à pandemia. Segundo Cunha, é comum que situações graves, como a vivida pela covid-19, motivem respostas da juventude. “Há um desejo de mudança, de fazer alguma coisa e até inspirado na atuação dos profissionais”, afirma ele.
Para Lucas Frigo, de 18 anos, o momento confirmou a opção pela Medicina e, em especial, para a área de pesquisa dentro do curso. “Por mais que as pessoas já tomassem vacinas antes, não tinham o exemplo prático de quão importantes são essas descobertas”, diz o estudante, inscrito no vestibular da Fuvest.
Já Antonio Calaço, de 20 anos, afirma que os percalços do País com a covid-19 e as desigualdades de atendimento são um motivo a mais para querer se especializar. “Nesse tempo de pandemia, a gente vê o quanto o serviço público de saúde, para os que mais precisam, não é de ponta”, diz ele, que mora na periferia de São Paulo e estuda no Cursinho da Poli. “Gostaria de entrar e trazer esse serviço de qualidade para as pessoas que mais necessitam.”
Nas faculdades particulares, a intenção de fazer um curso na área de Saúde também cresceu, diz estudo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes). A pesquisa realizada pela instituição com 614 entrevistados mostrou interesse de 36,1% deles por cursos presenciais na área, como Biomedicina e Fisioterapia. No topo do ranking de preferência está a graduação em Enfermagem, com 11,7% das intenções.
“Os cursos da área de saúde não ficavam em cima da tabela. Normalmente, apareciam no topo Administração e Direito”, diz Solon Caldas, diretor executivo da Abmes. Dados do Censo da Educação Superior de 2019 já indicavam alta na procura pelas graduações em Saúde, mas, segundo Caldas, a pandemia acelera esse processo.
Dados compilados pela Quero Bolsa, site que reúne descontos em mensalidades, indicam queda na procura geral por graduações privadas, em função da crise econômica. Mas cursos como Farmácia e Biomedicina ganharam posições entre os mais buscados no último ano, na comparação com 2019, e agora ficam no top 10.
Aluna de Enfermagem na Universidade São Judas Tadeu, Natalia Solano, de 22 anos, viu no curso uma chance de ajudar mais em situações extremas. “Acho incrível o trabalho da equipe de enfermagem, de médicos. Todos eles encaram a pandemia de forma muito bonita”, afirma a jovem, que iniciou a graduação no meio de 2020. Natalia já atua como técnica em enfermagem em uma clínica, mas almeja conseguir cargos mais especializados.
“Olho e penso que, com certeza, gostaria de estar no lugar dessas pessoas, encarar o que encaram, mesmo com todo o medo e insegurança”, diz.
Vestibulares devem cobrar questões que envolvam a pandemia e a preparação inclui discutir o tema. “Nossa preocupação tem sido abordar várias perspectivas. Trabalhamos como a percepção de comunidade teve modificações por causa da pandemia”, diz Maria Catarina, coordenadora pedagógica do Poliedro.
A covid pode cair em Biologia, mas não só. Itens sobre geopolítica podem usar a pandemia como pano de fundo e até a Redação do Enem pode ser sobre isso – mas neste caso Gilberto Alvarez, diretor do Cursinho da Poli, não acredita em propostas muito polêmicas, como ás ligadas ao controle da doença.
Estadão
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