O mercado recebeu mais um adiamento da votação da reforma da Previdência como uma não notícia. Como ninguém mais, entre analistas e investidores, esperava que mudanças na regra de aposentadoria fossem votadas neste ano, o efeito disso sobre os preços de ativos como a bolsa e o câmbio e sobre a economia de modo geral é nenhum, dizem especialistas.
“O governo mata dois coelhos com uma cajadada só: ajuda a enterrar a reforma com essa saída pitoresca e tenta se agarrar à bandeira da segurança em ano eleitoral”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
O imbróglio desta vez envolve a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Anunciada na sexta (16), ela ameaça, segundo especialistas, a votação da Previdência, pois a própria Constituição veda mudanças em seu texto na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de sítio.
Também na sexta (16), o presidente Michel Temer chegou a dizer que poderia “fazer cessar a intervenção” para votar a reforma –em princípio, algo que era previsto pelo governo para fevereiro.
“Temer insiste em que vai levar a reforma adiante porque não tem alternativa e ainda nutre a ilusão de que um milagre possa restituir a sua popularidade, com a população o reelegendo caso se candidate”, diz Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e hoje à frente da consultoria AC Pastore & Associados.
Pastore refuta o que chama de “teoria conspiratória” –o uso deliberado da intervenção no Rio como cortina de fumaça para não levar a reforma a ser apreciada pelo Congresso–, embora reconheça que “a grande maioria das pessoas razoavelmente bem informadas atribuía à aprovação da reforma ainda em 2018 uma probabilidade próxima de zero”.
Para Pastore, o adiamento da votação não deve trazer agitação ou volatilidade aos mercados maior do que a vista recentemente, em razão de turbulências externas.
Vale, da MB Associados, também avalia que ninguém mais tinha em conta a aprovação da reforma agora. “A intervenção só enterra algo que não tinha viabilidade desde a crise de maio do ano passado. A votação fica para 2019 e o mercado já aceita isso desde dezembro”, diz ele.
Agenda Popular
Carlos Melo, analista político e professor do Insper, também não acredita que o governo tenha usado a questão da segurança no Rio de Janeiro como um estratagema para não votar a reforma da Previdência. Segundo ele, a possibilidade de votar a mudança da regra já estava enterrada e o próprio governo chegou a considerar a apreciação após as eleições.
Dado esse cenário, diz Melo, Michel Temer decidiu assumir nova agenda com apelo popular. Para um governo enredado em inúmeros problemas, inclusive a questão da corrupção, diz Melo, substituir a agenda da reforma pela agenda da segurança pública torna-se interessante.
“Troca-se uma agenda impopular por uma popular , o que não significa que o governo esteja fazendo a melhor escolha para resolver o transtorno”, diz Melo, ao ressaltar que a segurança pública do Rio é um problema real, agravado pelo colapso fiscal da União e do Estado.
Na mesma linha, o economista Raul Velloso, diz que a situação da segurança no Rio vem se deteriorando forte e seguidamente há muito tempo, e não há como não atribuir parte desse problema à crise financeira estadual.
“O Rio foi o Estado mais fortemente atingido, o governo deixou o Estado muito tempo entregue às feras, e mesmo esse plano de recuperação, que foi aprovado sem o apoio da Fazenda , vem sendo implementado a passo de cágado”, diz Velloso.
Otimista, Velloso não descarta chances de a nova regra da Previdência ir à votação. “Sempre há a esperança de o [presidente da Câmara] Rodrigo Maia encontrar caminhos para viabilizar uma votação com chances razoáveis de aprovar a reforma. Ainda que muito provavelmente a maioria não espere mais isso.
Comentários