“Ano passado deu um nó danado com os seguranças. Queria ficar mais, mas eles acharam melhor eu voltar para casa”, conta, rindo.
Quatro policiais grandalhões escoltam a juíza de 1,50 metro, que se destaca sobre saltos altíssimos, colares e pulseiras reluzentes. Ganhou a guarda no ano passado.
Foi nessa época que as ameaças a ela ficaram constantes. A juíza decretou a prisão do ex-governador Silval Barbosa (2010-2014), do PMDB, e de outros poderosos de Mato Grosso, investigados pela Operação Sodoma.
Apelidada de Lava Jato pantaneira, apura desvio em compras de terrenos, fraude em licitações e propina para cobrir custos de campanha.
São tramas que se desenrolam com delações premiadas, conduções coercitivas, interceptações telefônicas e prisões preventivas.
Os juízes que escrevem as decisões das duas operações têm perfil parecido: “caneta pesada”, na visão dos advogados de defesa da Sodoma.
Como Sergio Moro, Selma Arruda é conhecida por ser dura e não hesitar em manter prisões preventivas.
A magistrada diz que é uma “falácia” que o Brasil encarcera demais, é contrária às audiências de custódia (“um absurdo, o cara entra numa porta e sai pela outra e não entende nada que está acontecendo”) e defende penas duras.
Também como Moro, virou celebridade no Estado. É aplaudida na rua e reconhecida e apoiada por nove em dez cuiabanos com quem a reportagem conversou.
A juíza recebe cumprimentos até mesmo de testemunhas durante audiências que instrui. Terminado seu depoimento na quarta passada (22), um gerente de concessionária levantou-se e olhou para a magistrada, no centro da mesa: “Tenho orado por você e sua família”.
O homem tinha acabado de depor em uma ação que apura desvios de R$ 60 milhões do Legislativo, supostamente capitaneados por José Riva (PSD). O ex-deputado presidiu a Assembleia mato-grossense por duas décadas e carrega o epíteto de “maior ficha-suja do país” por responder a cem processos.
Algo, porém, a separa de Moro. Ele evita dar entrevistas. A mato-grossense é presença frequente em programas da TV local. Manteve, até duas semanas atrás, duas “fanpages” no Facebook.
Chegou a postar vídeos em que convocava cuiabanos a protestar a favor das “Dez Medidas” contra a corrupção e discursou em um trio elétrico com a faixa “somos todos Moro”, em 2016.
“O Moro não precisa [de mídia], ele tem a Globo que fala dele o tempo todo”, diz. “Me posiciono dessa forma, desde o começo, porque o Mato Grosso não tem visibilidade nacional. Gosto de debate, quero que as pessoas falem [sobre corrupção], aprendam que a gente tem que fazer certinho.”
Com o status “se sentindo chateada”, a juíza anunciou que decidiu “cancelar suas páginas do Face, Selma Arruda e Selma Arruda 2”. Atribuiu a decisão a ataques por tentar “aplacar a justiça e as leis contra os poderosos neste Estado”.
FAROESTE
Gaúcha, Arruda se mudou para Mato Grosso grávida do primeiro de seus três filhos e com o diploma de direito recém-conquistado.
Começou a ser notada no Estado quando decretou a prisão de Riva, em 2015. “Metade do Mato Grosso me odiou. Ele era muito popular”, conta a magistrada em seu gabinete, decorado com papel de parede em cores terrosas e imagens de Nossa Senhora Aparecida.
Entre outras coisas, o ex-deputado é suspeito de custear, com recursos da Assembleia, diárias de hotel para quem ia a Cuiabá em busca de tratamento médico. “Isso fazia ele ser considerado simpático”, diz.
Ela começou a magistratura enfrentando contrabandistas e narcotraficantes em regiões de conflito no Estado. Passou cinco anos em Cáceres, a 80 km da fronteira com a Bolívia. Descreve a região como a “boca grande de entrada de drogas” no país.
“É o verdadeiro impulso da economia lá. Percebia que, quando prendia um grande traficante, o comércio caía”, diz a juíza, contrária à descriminalização das drogas: “Seria o caos do caos”.
Ameaças já eram parte de sua rotina nessa época. Sem segurança própria, recorria a um revólver para se proteger.
“Meu marido [um policial rodoviário federal] passava a noite trabalhando. Já dormi sentada, com a arma engatilhada no colo, escondendo as três crianças embaixo da cama. Eles telefonavam, faziam o inferno. Principalmente quando prendia um policial.”
TUDO A PERDER
Na última quinta (23), a juíza foi o assunto de um ato da Ordem dos Advogados do Brasil. O presidente nacional da ordem, Claudio Lamachia, e o da seccional paulista, Marcos da Costa, voaram até Cuiabá em apoio aos colegas locais. Criticavam o pedido de prisão do ex-presidente da OAB-MT Francisco Faiad, ex-secretário de Administração de Silval Barbosa.
A magistrada diz que Faiad teria participado de um esquema de recebimento de propinas envolvendo um posto de gasolina, que o teria beneficiado com R$ 192 mil.
Mas o que indignou a OAB foi o trecho em que ela afirma que, por ser advogado, Faiad poderia acessar trechos sigilosos dos autos “que um investigado qualquer jamais obteria”. Por isso, prejudicaria a investigação.
A categoria estuda representar contra a magistrada. “É um direito deles, mas tem um cunho absolutamente distorcido. Não criminalizei a advocacia, há indícios suficientes de que ele tenha feito um desvio milionário e isso, somado à advocacia, poderia facilitar”, argumenta ela.
Faiad foi preso em 14 de fevereiro, mas está em liberdade há uma semana, após a justiça acatar um pedido de habeas corpus.
Também no dia 14, o STJ retomou o julgamento de uma ação movida pela defesa de Silval Barbosa que pede a suspeição da juíza por seus excessos. Argumentam que ela interrogou uma testemunha, papel que cabe ao Ministério Público.
A mulher mais temida do Mato Grosso, como divulga a imprensa local, diz que não se assusta com as ameaças. Por outro lado, se preocupa com o “juiz de todos os juízes”: Deus. Espírita, diz ter “um medo danado” de “chegar lá” e ouvir dEle que foi injusta ao longo da vida.
Arruda enterrou uma filha, há três anos, em razão de um câncer. Durante o tratamento, que durou sete anos, não diminuiu o ritmo intenso de trabalho, nem chorou diante da família. A juíza era referência para a filha, que estudava direito. A vida é justa? “No fim das contas, ela é. Acaba sendo.”
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